Mais um nome de peso da
indústria dos quadrinhos nos deixou nas últimas semanas. Desta vez foi Mort
Walker, criador do Recruta Zero, personagem com quase 70 anos de existência,
desde que teve sua primeira tira publicada nos Estados Unidos. O artista, que
ainda trabalhava na criação de tiras do personagem, tinha 94 anos, e faleceu
devido a uma pneumonia, em sua casa, na cidade de Stamford, Estado de
Connecticut, Estados Unidos, no último dia 27 de janeiro.
Nascido em 3de setembro de 1923
em El Dorado, no Estado do Kansas, Addison Morton Walker desde cedo já
manifestava desejo de seguir a vida de cartunista, tendo seu primeiro cartum
publicado ainda com 11 anos de idade. Nos anos 1940, prestou serviço militar
durante quatro anos, alcançando a patente de primeiro-tenente. De volta à vida
civil, formou-se em jornalismo pela Universidade de Missouri-Columbia, mas os
cartuns nunca tinham saído de sua meta de vida, e assim, em 1948, ele partiu
paraNova Iorque, decidido a tentar a sorte no mundo dos quadrinhos, mas os
primeiros dois anos foram bem difíceis, pois nenhuma editora ou distribuidora
manifestava interesse por suas criações. Sua sorte só começaria a mudar em
1950, quando criou a personagem de um universitário preguiçoso, e que tentava
evitar de pegar no pesado. Batizado inicialmente de “Spider”, ele logo mudou
seu nome para”Beetle Bailey”, e conseguiu que a tira fosse adquirida pela King
Features Syndicate, passando a ser publicada em alguns jornais, estreando em 4
de setembro de 1950, e mostrando o cotidiano do personagem em sua vida
universitária.
A tira não estava fazendo
muito sucesso, e a King estava prestes a cancelar o contrato com Mort Walker,
quando este, sem saber do destino que sua criação esperava nas mãos da
distribuidora, resolveu alistar seu personagem no exército, uma vez que a
Guerra da Coréia estava rolando do outro lado do mundo. Walker descartou
praticamente todo o elenco de personagens da universidade, e criou toda uma
nova leva para participar das novas histórias na caserna. E a tira decolou de
vez, atingindo um sucesso que ninguém esperava. E a popularidade só cresceu
ainda mais quando o próprio exército dos Estados Unidos resolveu boicotar a
tira, banindo-a de sua publicação militar, acusando-a de denegrir a imagem do
exército do país com seu rol de personagens, e tendo como estrela principal um
recruta raso que se notabilizava pela preguiça e indisciplina, desacatando as
ordens de seu oficial superior imediato. Mort Walker agradeceu a “ajuda” dos
militares, e a tira explodiu ainda mais em fama, e nestes quase 68 anos de
publicação ininterrupta sob o comando de seu criador, chegou a ser publicada em
mais de 50 países e mais de 1.800 jornais, sem contar as revistas em quadrinhos
publicadas em diversos países, entre eles o Brasil, onde Beetle Bailey, com o
nome nacional de “Recruta Zero”, ganhando sua primeira revista em quadrinhos em
1962, através da Rio Gráfica e Editora – RGE, onde seria publicado até 1986,
com cerca de 292 edições regulares, além de diversos almanaques e edições
especiais. No início dos anos 1970, a editora Saber também publicou histórias
do personagem, com um título diferente e nomes trocados. A Editora Globo
publicaria o título regular do Recruta Zero do fim dos anos 1980 até 1992,
quando encerrou a publicação do seu título mensal. Desde então, o indolente
recruta e toda sua trupe de personagens perambulou por diversas editoras, com
títulos publicados que nunca duraram muito, sendo sempre cancelados após algum
tempo. Mas o personagem continua sendo publicado em vários jornais, entre eles
“O Estado de São Paulo”.
Apesar do grande sucesso da
tira, Mort Walker não ficou restrito somente ao sucesso do Zero. Com o fim da
Guerra da Coréia, ainda nos anos 1950, ele experimentou devolver o personagem à
sua vida civil, e criou um novo rol de personagens, apresentando a irmã do Zero
e sua família. A idéia era tentar desenvolver o mesmo tipo de humor, agora na
vida cotidiana civil. Mas os leitores protestaram, e para azar do Zero, em
muito pouco tempo ele estava de volta às agruras do Quartel Swampy. Mas a
família de sua irmã não seria esquecida, e deu origem à tira Hi and Lois (chamada
no Brasil de Zezé & Cia.), que também fez grande sucesso, e que de tempos
em tempos, faziam aparições na tira do Zero, com sua irmã e sobrinhos
visitando-o no quartel, e vice-versa.
Curiosamente, para ajudar a cuidar desta tira, enquanto continuava a tocar a do
Zero, Mort Walker contou com o talento de Dik Browne, que anos depois, criaria
seu próprio personagem de sucesso, o guerreiro viking “Hagar, o Horrível”.
Ambos se tornaram grandes amigos desde então, e Mort sentiu muito a morte de
Dik em 1989, tanto pessoal quanto profissionalmente. Outro projeto de Walker, este
menos conhecido e famoso, mas que também chegou a ser publicado no Brasil, foi a
série “The Bonner’s Ark”, com o nome nacional de “A Arca de Noé”, durante os
anos 1970, e mais recentemente, com o título de “A Arca do Bichos”, nas últimas
revistas do Recruta Zero lançadas pela Pixel Media, mostrando o dia-a-dia de
uma arca cheia de animais, e comandada por um capitão meio trapalhão.
Em 1974, Mort fundou
o Museum of Cartoon Art, o primeiro museu devotado aos quadrinhos. Localizado a
princío em Greenwich, no Estado de Connecticut, o museu mudou-se mais tarde
para a cidade de Boca Raton, Estado da Flórida, em 1992, quando precisou de um
novo endereço com mais espaço. Em 1996, o local passou a se chamar International
Museum of Cartoon Art. Infelizmente, os custos de manutenção da entidade eram
altos, e apesar de esforços junto a alguns patrocinadores, e do próprio Mort
Walker, o museu fechou suas portas em 2002. Seu acervo foi então adicionado à
coleção da Universidade do Estado de Ohio em 2008, como alternativa para
preservação do material. O acervo do museu criado por Walker chegou a
contabilizar mais de 200.000 desenhos originais, 20.000 quadrinhos, 1.000 horas
de filme e diversos outros itens. Este imenso acervo foi formado quase
inteiramente por doações de vários artistas, entre eles Chester Gould (criador
do Dick Tracy ), Hal Foster (Príncipe Valente), Bill Keane (Family Circus),
Milton Caniff (Terry e os Piratas), Dik Browne (Hagar, o Horrível), e até mesmo
Stan Lee (Spider-Man), entre outros, chegando a ser avaliado em um valor
estimado de US$ 20 milhões. A iniciativa de Walker era contribuir para a divulgação
e preservação da memória dos quadrinhos, além de melhorar a forma como os
cartuns eram vistos pelo grande público, dando-lhes mais respeito, e também como
forma de retribuir o grande sucesso que o meio dos quadrinhos lhe proporcionou
através dos personagens que criou.
Mort também era
conhecido pela solidariedade e respeito para com o próximo. Ele participou de
várias campanhas beneficentes ao longo de sua longeva carreira, ajudando
hospitais e a Cruz Vermelha. E, ainda no início de sua carreira, em 1951, deu
uma força a um colega de profissão que estava com dificuldades para emplacar
seus personagens: ninguém menos do que Charles Schultz, o criador do Snoopy,
que depois também conseguiria grande sucesso no mercado de tiras de quadrinhos.
Entre sua legião de personagens do universo do Recruta Zero, ele confessou que
seu favorito era o Sargento Tainha. E, quando questionado sobre qual era a
maior alegria que sentia em sua carreira de cartunista, ele era sempre franco e
direto: fazer as pessoas que liam seu trabalho rirel e sentirem-se felizes. E,
quando lhe perguntavam quando ele pararia de trabalhar com o Zero, seguindo o
exemplo de alguns outros colegas de profissão que encerraram seus trabalhos com
seus personagens, preferia responder de forma indireta, ao afirmar que não
gostaria de desapontar seus leitores que sempre acompanharam cada tira criada
por ele do personagem. E ele cumpriu sua promessa: até sua morte, continuava em
plena atividade, talvez em ritmo menor do que antigamente, mas firme em manter
Zero e toda a sua imensa turma na ativa, sempre com novas histórias.
O desenhista foi casado duas
vezes. Em 1949, ele casou-se com Jean Suffill, que havia conhecido durante seu
tempo cursando a universidade, e com quem teve sete filhos. Mort e Jean
divorciaram-se em 1985, e Walker casou-se em seguida com Catherine Prentice, no
mesmo ano, e com quem veio a ter mais três filhos, estando juntos até a morte
dele, no último dia 27 de janeiro.
Quanto ao futuro do Recruta
Zero, este está garantido por muito tempo: Brian e Greg, filhos de Mort de seu
primeiro casamento, já vinham ajudando o pai na criação e produção das tiras há
muitos anos, e prometem cuidar com todo o carinho o maior sucesso que seu pai
concebeu em sua carreira artística, com a mesma dedicação e criatividade que
ele desempenhou nestes quase 68 anos de trabalho praticamente ininterrupto,
desde que desenhou a primeira tira do personagem, em 1950. Então, podem ir se
preparando para aguentar Zero e sua turma por um longo, longo tempo. Mort pode
descansar em paz, ciente de que sua missão de divertir e alegrar as pessoas
neste mundo com seu grande talento como cartunista, foi mais do que bem cumprida.
Adeus, velho combatente!
UMA ENORME PERDA!
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