terça-feira, 31 de março de 2020

O ADEUS A DANIEL AZULAY


O artista, que foi cartunista, pintor, compositor, e escultor, entre outras atividades, faleceu aos 72 anos.

Adriano de Avance Moreno

                O mundo do entretenimento brasileiro ficou mais triste nestes últimos dias. Faleceu, no último dia 27, no Rio de Janeiro, Daniel Azulay, criador de inúmeros personagens, e um versátil artista que conquistou gerações sabendo ensinar e cativar as pessoas como ninguém.
                O artista já estava com saúde debilitada em virtude de uma leucemia, e encontrava-se internado há algumas semanas na Clínica São Vicente, na Gávea. Segundo relatos, o artista teria contraído também o coronavírus Covid-19, o que teria complicado sua já frágil condição física, e teria causado sua morte. Mas, até o fechamento desta matéria, isso na verdade ainda era tratado como suspeita, uma vez que ainda estão esperando por exames que confirmem o diagnóstico da doença como a causa da morte de Azulay.
                Nascido em 30 de maio de 1947 no Rio de Janeiro, Daniel Azulay estreou profissionalmente aos 18 anos de idade, redigindo matérias para um jornal esportivo, em 1965. Dois anos depois, ele começaria a mostrar seus dotes artísticos, ao criar o personagem Capitão Sol para uma série de tiras para publicação em um jornal, que abriria caminho para a criação de outro personagem, o Capitão Cipó, que também estrelaria uma série de tiras de jornal.
                Mas o maior sucesso do artista seria a Turma do Lambe-Lambe, um grupo de vários personagens, com os quais estrelou um programa de TV a partir de 1975, onde mostraria toda a sua capacidade frente ao público ligado na telinha, primeiro pela TV Educativa, e depois na Bandeirantes, onde ensinava vários assuntos para a criançada, entre eles, sustentabilidade, ecologia, história, além de estimular a criatividade, com direito a várias atividades que visavam explorar o mundo para ampliar a visão das crianças. E, sobretudo, ensiná-las a dar vida a seus sonhos desenhando o que pensavam. "Criança que não desenha passa a infância em branco", era o lema do artista plástico, que sorria sempre ao rabiscar os mais improváveis desenhos em uma folha em branco, para todos verem como se podia dar asas à imaginação. E com jeito todo infantil, com vários trejeitos e manias, Azulay mostrava todo o seu carisma, conquistando a simpatia do público em um programa infantil que conseguia o feito de prender a atenção sem ter nenhum desenho animado no interior da atração, como costumavam fazer os outros programas infantis da época, e posteriores. E uma prova do seu grande sucesso foi sua longevidade, sendo exibido por anos e anos, sempre conseguindo se sair bem perante a concorrência, que podia até ter mais audiência, mas não conseguiam apresentar a mesma qualidade cultural e educativa que Daniel passava para seu público cativo. Ele também incentivava a leitura das crianças desde o início de sua carreira produzindo livros, quadrinhos, álbuns de figurinhas e outras publicações voltadas para o público infantil e juvenil, visando atingir esse objetivo, e nunca descuidando de procurar ensinar-lhes alguma coisa junto.
                E essa contribuição à educação levou o artista a receber vários prêmios, tanto nacionais quanto internacionais. A Turma do Lambe-Lambe, seus personagens mais famosos, transcenderiam o universo dos programas de TV, passando a estrelar uma publicação própria em quadrinhos, pela Editora Bloch, para deleite dos fãs. Estavam todos eles lá, o Pita e sua namorada Damiana, o Piparote, a Ritinha, a Dona Xicória, a Gilda, o Professor Pirajá, além do Bufunfa e do Tristinho, sem mencionar que o próprio Azulay dava as caras nas histórias vez ou outra. A revista lançada pela Bloch acabou durando somente 4 edições, mas em 1982, os personagens voltaram ao mercado de quadrinhos nacional, em um novo título publicado agora pela Editora Abril, que durou 20 edições, entre 1982 e 1984.
                Seu programa de TV acabaria cancelado ao final dos anos 1980, depois de 15 anos de atividades, mas isso não apagou o brilhantismo que conquistou diante de praticamente toda uma geração de crianças que teve a sorte de conhecer seu programa. E como que tendo apenas um intervalo, em 1996, lá estava novamente Azulay, de volta à TV Bandeirantes, mesmo que somente na filial do Rio de Janeiro, a apresentar novamente seu programa, mais uma vez com a companhia de seus famosos personagens, procurando manter sempre o caráter cultural e educativo de seu programa, agora intitulado “Oficina de Desenho Daniel Azulay”. E, claro, continuando com seu estilo todo característico de ser, que ainda encantava quem o assistia, em uma época onde as emissoras ainda se preocupavam um pouco em não emburrecer sua audiência, como viria a acontecer anos depois. Nesta nova passagem pela TV, seu programa durou quatro anos, saindo do ar no ano 2000.
                O artista continuou em atividade na década passada. Em 2003, 2004 e 2005 ele apresentou a “Turma do Lambe-Lambe” na TV Rá-Tim-Bum da TV Cultura e também o programa “Azuela do Azulay” no Canal Futura, da TV por assinatura, sempre procurando passar mensagens positivas, e fazer com que as crianças aprendessem e se divertissem ao mesmo tempo, sem cair na pieguice. Autodidata nas artes, Azulay parecia ser na verdade o seu maior personagem, que parecia não envelhecer com o passar do tempo, ao contrário dos outros artistas. Com uma voz melodiosa e agradável, e sua aparência que nunca mudava, inclusive seus cabelos despenteados, ele nunca mudou seu jeito de ser. E o próprio Azulay fazia questão de mostrar que, por mais que a idade avançasse, continuava sendo aquela criança que havia conquistado tantas pessoas, mesmo que isso já tivesse sido há décadas. Ele simplesmente continuava sendo alegre, juvenil, e carismático como sempre havia sido. E mostrava uma disposição invejável para sempre seguir em frente.
Nos últimos anos, Daniel Azulay também ensinava desenho a crianças pela internet, além de ter criado o curso de ilustrações Oficina de Desenho, com várias unidades no Rio. Em 2015, a Ediouro, através do selo Coquetel, lançou o Almanaque da Turma do Lambe-Lambe, em comemoração aos 40 anos de criação dos personagens. E em 2018, Azulay foi agraciado com o Troféu HQ MIX, a maior premiação dos quadrinhos nacionais, pelo conjunto de sua carreira. Daniel Azulay influenciou a geração dos anos 1980, que teve a oportunidade de aprender com ele a desenhar, construir brinquedos com sucata doméstica e a aprender a importância da reciclagem e sustentabilidade em defesa do meio ambiente. Ele viajava pelo mundo constantemente, expondo, fazendo palestras e conduzindo workshops de arte, educação e responsabilidade social.
                Engajado em causas sociais, Azulay tinha o projeto “Crescer com Arte - Desenhando com Daniel Azulay”, dirigido para crianças e adolescentes, que reúne atividades criativas voltadas para a arte, educação e aperfeiçoamento do desenho, como forma de expressão e ferramenta importante para auxiliar na formação da criança, com o objetivo de investir na formação da criança e do adolescente, fazendo da arte um canal para o desenvolvimento de auto estima, conscientização da cidadania e inserção social. A meta do projeto é alcançar crianças nas mais variadas instituições, através da ajuda de patrocinadores, que levam todo material e treinamento necessário para o evento aconteça em diversas localidade.
                Na página do seu site, Oficina de Desenho – Daniel Azulay (www.danielazulay.com.br), foi posta a mensagem de sua morte: “Com muito pesar comunicamos o falecimento de nosso querido amigo Daniel Azulay. Eternizaremos em nossos corações seus ensinamentos e sua alegria, deixando nossas vidas mais leves e mais coloridas.” O meio artístico nacional, além de diversas outras pessoas conhecidas, lamentaram a morte de Azulay. “Ele era uma pessoa que acreditava no poder do desenho, no poder da história em quadrinhos, no poder da narrativa gráfica, e sempre se preocupou em levar isso para as crianças e fazer com que elas participassem desse entusiasmo”, declarou Waldomiro Vergueiro, coordenador do Observatório de Histórias em Quadrinhos da USP. “São caras que tem a vocação de ensinar a desenhar, a simpatia para cativar leitores. Ele deixou uma presença muito forte, e isso vai nos acompanhar sempre.”, afirmou Chico Caruso, cartunista. “Vamos ter saudade da Turma do Lambe-Lambe, dos seus programas de TV. O mundo vai ficar mais triste sem Daniel Azulay. Meu amigo, companheiro e colega, vá com Deus, Daniel!”, comunicou Mauricio de Sousa, em relação à morte de Azulay.
“Uma das lembranças de ser criança no Brasil, era ver Daniel Azulay desenhar em plano fechado com uma Pilot azul ou preta numa folha de papel. 1979? 1980? 1981? Grande abraço e descanse em paz. Pelo Corona”, disse o cineasta Kleber Mendonça Filho, diretor do recente e aclamado longa-metragem Bacurau. “Que tristeza! Esse cara fez parte demais da minha infância. Meus primeiros rabiscos tiveram sua influência, aliás, quem da minha geração não ficava de olho na TVv para aprender a desenhar com ele, né? Vá em paz, querido Daniel!”, disse o chargista mineiro Duke, sobre a morte de Azulay. "Eu lembro dos programas que ele tinha na TV Educativa e na Band. Eu acompanhava a Turma do Lambe-Lambe e também me inspirava nos programas em que ele fazia montagens, pinturas e recortes. Me ajudou nesse processo artístico, foi muito bacana. É uma parte da minha infância que está indo embora", afirmou o chargista e caricaturista Lézio Júnior.
                Por tudo o que fez pelas crianças neste país, descanse em paz, Daniel. Em um momento onde nossa juventude continua acéfala em relação a muitos assuntos, sua falta será mais sentida do que nunca. Viva eternamente em nossa memória, e algodão doce pra você, como costumava dizer com frequência.


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