Quadrinista estava aposentado desde 2010, devido a
problemas relacionados à idade.
Adriano de Avance Moreno
Albert Uderzo ao lado de seus mais
famosos personagens, Obelix e Asterix, criados em parceria com seu há muito finado
colega René Goscinny.
Durante
praticamente seis décadas, vimos as tentativas dos incansáveis exércitos romanos
em dominar toda a região da Gália, no distante ano de 50 a.C. Toda a região
fora dominada, com exceção de uma irredutível aldeia de gauleses que ainda
resistia ao invasor, os quais, munidos da misteriosa poção mágica criada por
seu druida, Panoramix, os tornava praticamente invencíveis. E seu maior herói
era um sujeito baixinho, de bigode, chamado Asterix, que ao lado de seu
inseparável amigo Obelix, viviam diversas aventuras não apenas nas cercanias da
aldeia, mas mundo afora. E o célebre personagem, praticamente um ícone nacional
na França, onde foi criado, acaba de ficar órfão, com o falecimento de Albert
Uderzo, co-criador do personagem, que faleceu no último dia 24 de março, aos 92
anos de idade.
A
morte ocorreu na residência do atualmente aposentado artista, em Neully-sur-Siene,
junto a seus familiares, que fizeram questão de enfatizar que Uderzo não
faleceu em decorrência do coronavírus Covid-19, cuja pandemia se alastra pelo
mundo afora. Uderzo já andava cansado há várias semanas, em decorrência de sua
saúde frágil por ter mais de 90 anos de idade, e faleceu dormindo, vítima de um
ataque cardíaco.
Alberto
Aleandro Uderzo nasceu em 25 de abril de 1927, na cidade de Fismes, no
departamento de Marne, França. Na infância, apesar de ainda não ter planos de
seguir carreira na área artística, tomou conhecimento pela primeira vez das
produções de Walt Disney, e costumava fazer alguns desenhos, sendo considerado
muito talentoso neste sentido. Nos anos 1940, começou a dar seus primeiros
passos como desenhista, publicando seus primeiros trabalhos e criando seus
próprios personagens, tendo chance de colaborar com várias publicações, além de
fazer trabalhos para empresas de comunicação, como a Word Press. Em 1951, ele
conheceria aquele que se tornaria o seu grande parceiro profissional na vida,
René Goscinny, de quem se tornou um grande amigo. Juntos, a dupla começou a
criar seus próprios personagens, entre eles a séries Jehan Pistolet, Luc
Junior, e Oumpah-Pah, sendo que este chegou a ser publicado no Brasil com o
nome de Umpa-Pá.
Em
1959, Uderzo, Goscinny, e outros artistas, criaram a revista Pilote, uma
revista para poderem publicar seus trabalhos. A empreitada foi um sucesso desde
o início, com vendas impressionantes, mas na primeira edição da nova
publicação, que duraria até 1989, estavam as primeiras tiras de um novo personagem
criado pela dupla que transcenderia a revista, e se tornaria um símbolo
nacional da identidade e cultura francesa: Asterix.
Ao
lado de Goscinny, Uderzo lançou o primeiro álbum do que viria a ser uma longa
série de aventuras do personagem, em 1961, “Asterix, o Gaulês”, pela editora
Dargaud, compilando as tiras que haviam sido publicadas na revista Pilote.
Goscinny escrevia as histórias, e Uderzo as desenhava, com seu já conhecido
estilo característico. O personagem tornou-se um sucesso desde o início, e a
dupla de artistas foi lançando cada vez mais aventuras, até que Goscinny
faleceu prematuramente em 1977, aos 55 anos, também de um ataque cardíaco, encerrando
26 anos de uma parceria que ninguém imaginava que duraria tanto tempo, e fosse
tão bem-sucedida. Albert tencionou encerrar a série de aventuras do pequeno
gaulês, em respeito a seu falecido parceiro de trabalho, mas acabou voltando
atrás, ocupando-se agora tanto do argumento quanto da arte das histórias. Esta
decisão dividiu os fãs, pois alguns preferiam que a série fosse encerrada, uma
vez que sua dupla criativa não estava mais junto. Muitos outros fãs, porém,
apoiaram a decisão, com o desejo de que Asterix & Obelix continuassem
vivendo novas aventuras.
Mesmo não sendo tão talentoso
quanto o falecido parceiro, algo confirmado pela crítica, que sempre considerou
os álbuns criados pela dupla em conjunto melhores do que os que foram criados
unicamente por Uderzo, este conseguiu manter o grande sucesso da publicação,
algo que ele mesmo já não sabia explicar direito a razão dos álbuns venderem
tanto. Asterix ganhou o mundo, sendo publicado em dezenas de outros países,
sendo traduzido para mais de 100 idiomas, entre eles o Brasil. “É como se me
perguntassem a receita da poção mágica”, respondeu Uderzo a um jornal quando
lhe perguntaram a razão do sucesso de Asterix e Obelix. E ele não se furtava a
admitir essa ignorância. “Reconheço que jamais consegui me explicar esse
sucesso. Nunca achei que duraria tanto. René Goscinny dizia que ‘Parecemos
idiotas que não sabem o que fabricaram’. Mas não teríamos conseguido nada sem
trabalho. O sucesso é, acima de tudo, horas e horas de trabalho”, declarou em
certa ocasião. Foram vinte e quatro álbuns produzidos pela dupla, entre 1961 e
1977. Uderzo, acumulando roteiro e arte, conseguiu lançar mais dez aventuras,
entre 1980 e 2009. Seu primeiro álbum “solo” foi “Asterix e o Grande Fosso”. O
último, teve o nome de “O Aniversário de Astérix e Obélix - O Livro de Ouro”,
lançado em comemoração aos 50 anos de criação dos personagens, ocorrido em
1959. Em nosso país, as aventuras do destemido herói gaulês foi publicado pelas
editoras Cedibra e Record, e atualmente os direitos de publicação pertencem à
Panini Comics, que tem planos de relançar todos os álbuns já publicados em
nosso país para a atual geração de leitores de quadrinhos.
Neste
ano, já com problemas de artrose, ele começou a planejar o futuro dos
personagens icônicos que criara ao lado de René Goscinny, e aos quais criou
diversos outros. Autodidata na área, Uderzo era daltônico, e por isso, não
reconhecia certas cores, mas como no início de sua carreira, as histórias eram
em preto e branco, isso não o atrapalhava. Mas a idade mostrava que ele devia
parar. Por isso, “terceirizou” a produção das novas aventuras de Asterix e
Obelix, garantindo que os leitores ainda pudessem vislumbrar novas aventuras
dos famosos personagens.
O
novo álbum da dupla, intitulado “Astérix entre os Pictos”, foi o 35º da série,
e o primeiro a não contar com a participação criativa de sua dupla de
criadores. Os roteiros agora eram de Jean-Yves Ferri, com arte de Didier
Conrad, que conseguiu manter o estilo de arte de Uderzo. E já são 4 álbuns
lançados com o trabalho desta dupla, sendo o último deles publicado no ano
passado, chamado “A filha de Vercingétorix”, o 38º álbum da linhagem.
Casado
com Ada Milani em 1953, Albert Uderzo teve uma única filha, Sylvie, em 1956. A
filha se tornou profissional do meio editorial, trabalhando para a editora que
o pai fundou, após romper o acordo de publicação de Asterix com a Dargaud, em
fins dos anos 1970. Mas, em 2007, Uderzo demitiu sua filha da empresa, após
desentendimentos que geraram um racha na família. O artista acabou vendendo sua
parte na editora para a Hachette, atual detentora dos direitos de publicação de
Asterix e Obelix. Imaginava-se que, com o falecimento do artista, a Hachette
não poderia mais lançar novas aventuras, mas tudo indica que o contrato de
direitos assinados entre a empresa e Uderzo ainda permita a criação de novas
aventuras dos personagens, para alívio do público leitor que anseia por novas
histórias de Asterix e toda a sua turma. Obviamente, a decisão do pai de vender
a editora o levou a ser duramente criticado por sua filha, que o acusou de que
“vender Asterix para uma grande empresa seria como abrir os portões da audeia
gaulesa dos heróis para os romanos”. Uderzo possuía cerca de 60% da editora,
enquanto sua filha detinha os 40% restantes.
Albert Uderzo, ao lado de seu parceiro René Goscinny. |
Felizmente,
apesar das divergências, Sylvie e seu pai aparentemente se reconciliaram em
2014, ponto fim às brigas no seio da família, e pacificando a disputa pelo
destino de Asterix, que agora se encontra nas mãos da Hachette. E no que
depender dela, os leitores poderão ter novas aventuras do intrépido herói
gaulês baixinho e de bigode. E a nova dupla artística soube manter a qualidade
do legado que receberam, com o primeiro álbum que criaram tendo vendido mais de
cinco milhões de exemplares, o que significa que Asterix & Obelix ainda
terão vida longa pela frente, continuando um sucesso que já gerou diversos
produtos, entre eles vários longas animados, e até produções live-actions.
Vários
artistas do mundo dos quadrinhos prestaram homenagens ao falecimento de Uderzo,
inclusive no Brasil, onde Mauricio de Sousa fez uma arte em respeito ao
passamento do artista francês. Durante sua longa carreira no meio artístico,
Uderzo recebeu vários prêmios e distinções por sua obra, entre eles o Grande
Prémio do Milênio, aferido a ele no 26.º Festival Internacional de Quadrinhos
Angoulême, em 1999, além do Prémio "Max und Moritz", o mais
prestigiado prêmio da indústria de quadrinhos da Alemanha, concedido no XI
Festival Internacional de Quadrinhos de Erlangen, em 2004. Posteriormente, em
2007, Albert Uderzo foi elevado à Cavaleiro da Ordem do Leão Holandês, por
decisão da rainha Beatriz, da Holanda. Na mesma ocasião, seu falecido parceiro
René Goscinny também foi agraciado com a honraria.
Que
Albert Uderzo descanse em paz. Seus carismáticos personagens, criados
unicamente por ele, ou em parceria com René Goscinny, divertiram milhões de
pessoas em todo o mundo, com mais de 380 milhões de álbuns vendidos, só da
dupla Asterix & Obelix. E que eles possam continuar sendo lidos por muitos
outros leitores, para felicidade do velho artista.
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