domingo, 29 de março de 2020

ALBERT UDERZO, CO-CRIADOR DE ASTERIX, MORRE AOS 92 ANOS


Quadrinista estava aposentado desde 2010, devido a problemas relacionados à idade.

Adriano de Avance Moreno


Albert Uderzo ao lado de seus mais famosos personagens, Obelix e Asterix, criados em parceria com seu há muito finado colega René Goscinny.

                Durante praticamente seis décadas, vimos as tentativas dos incansáveis exércitos romanos em dominar toda a região da Gália, no distante ano de 50 a.C. Toda a região fora dominada, com exceção de uma irredutível aldeia de gauleses que ainda resistia ao invasor, os quais, munidos da misteriosa poção mágica criada por seu druida, Panoramix, os tornava praticamente invencíveis. E seu maior herói era um sujeito baixinho, de bigode, chamado Asterix, que ao lado de seu inseparável amigo Obelix, viviam diversas aventuras não apenas nas cercanias da aldeia, mas mundo afora. E o célebre personagem, praticamente um ícone nacional na França, onde foi criado, acaba de ficar órfão, com o falecimento de Albert Uderzo, co-criador do personagem, que faleceu no último dia 24 de março, aos 92 anos de idade.
                A morte ocorreu na residência do atualmente aposentado artista, em Neully-sur-Siene, junto a seus familiares, que fizeram questão de enfatizar que Uderzo não faleceu em decorrência do coronavírus Covid-19, cuja pandemia se alastra pelo mundo afora. Uderzo já andava cansado há várias semanas, em decorrência de sua saúde frágil por ter mais de 90 anos de idade, e faleceu dormindo, vítima de um ataque cardíaco.
                Alberto Aleandro Uderzo nasceu em 25 de abril de 1927, na cidade de Fismes, no departamento de Marne, França. Na infância, apesar de ainda não ter planos de seguir carreira na área artística, tomou conhecimento pela primeira vez das produções de Walt Disney, e costumava fazer alguns desenhos, sendo considerado muito talentoso neste sentido. Nos anos 1940, começou a dar seus primeiros passos como desenhista, publicando seus primeiros trabalhos e criando seus próprios personagens, tendo chance de colaborar com várias publicações, além de fazer trabalhos para empresas de comunicação, como a Word Press. Em 1951, ele conheceria aquele que se tornaria o seu grande parceiro profissional na vida, René Goscinny, de quem se tornou um grande amigo. Juntos, a dupla começou a criar seus próprios personagens, entre eles a séries Jehan Pistolet, Luc Junior, e Oumpah-Pah, sendo que este chegou a ser publicado no Brasil com o nome de Umpa-Pá.
                Em 1959, Uderzo, Goscinny, e outros artistas, criaram a revista Pilote, uma revista para poderem publicar seus trabalhos. A empreitada foi um sucesso desde o início, com vendas impressionantes, mas na primeira edição da nova publicação, que duraria até 1989, estavam as primeiras tiras de um novo personagem criado pela dupla que transcenderia a revista, e se tornaria um símbolo nacional da identidade e cultura francesa: Asterix.
                Ao lado de Goscinny, Uderzo lançou o primeiro álbum do que viria a ser uma longa série de aventuras do personagem, em 1961, “Asterix, o Gaulês”, pela editora Dargaud, compilando as tiras que haviam sido publicadas na revista Pilote. Goscinny escrevia as histórias, e Uderzo as desenhava, com seu já conhecido estilo característico. O personagem tornou-se um sucesso desde o início, e a dupla de artistas foi lançando cada vez mais aventuras, até que Goscinny faleceu prematuramente em 1977, aos 55 anos, também de um ataque cardíaco, encerrando 26 anos de uma parceria que ninguém imaginava que duraria tanto tempo, e fosse tão bem-sucedida. Albert tencionou encerrar a série de aventuras do pequeno gaulês, em respeito a seu falecido parceiro de trabalho, mas acabou voltando atrás, ocupando-se agora tanto do argumento quanto da arte das histórias. Esta decisão dividiu os fãs, pois alguns preferiam que a série fosse encerrada, uma vez que sua dupla criativa não estava mais junto. Muitos outros fãs, porém, apoiaram a decisão, com o desejo de que Asterix & Obelix continuassem vivendo novas aventuras.
                Mesmo não sendo tão talentoso quanto o falecido parceiro, algo confirmado pela crítica, que sempre considerou os álbuns criados pela dupla em conjunto melhores do que os que foram criados unicamente por Uderzo, este conseguiu manter o grande sucesso da publicação, algo que ele mesmo já não sabia explicar direito a razão dos álbuns venderem tanto. Asterix ganhou o mundo, sendo publicado em dezenas de outros países, sendo traduzido para mais de 100 idiomas, entre eles o Brasil. “É como se me perguntassem a receita da poção mágica”, respondeu Uderzo a um jornal quando lhe perguntaram a razão do sucesso de Asterix e Obelix. E ele não se furtava a admitir essa ignorância. “Reconheço que jamais consegui me explicar esse sucesso. Nunca achei que duraria tanto. René Goscinny dizia que ‘Parecemos idiotas que não sabem o que fabricaram’. Mas não teríamos conseguido nada sem trabalho. O sucesso é, acima de tudo, horas e horas de trabalho”, declarou em certa ocasião. Foram vinte e quatro álbuns produzidos pela dupla, entre 1961 e 1977. Uderzo, acumulando roteiro e arte, conseguiu lançar mais dez aventuras, entre 1980 e 2009. Seu primeiro álbum “solo” foi “Asterix e o Grande Fosso”. O último, teve o nome de “O Aniversário de Astérix e Obélix - O Livro de Ouro”, lançado em comemoração aos 50 anos de criação dos personagens, ocorrido em 1959. Em nosso país, as aventuras do destemido herói gaulês foi publicado pelas editoras Cedibra e Record, e atualmente os direitos de publicação pertencem à Panini Comics, que tem planos de relançar todos os álbuns já publicados em nosso país para a atual geração de leitores de quadrinhos.
                Neste ano, já com problemas de artrose, ele começou a planejar o futuro dos personagens icônicos que criara ao lado de René Goscinny, e aos quais criou diversos outros. Autodidata na área, Uderzo era daltônico, e por isso, não reconhecia certas cores, mas como no início de sua carreira, as histórias eram em preto e branco, isso não o atrapalhava. Mas a idade mostrava que ele devia parar. Por isso, “terceirizou” a produção das novas aventuras de Asterix e Obelix, garantindo que os leitores ainda pudessem vislumbrar novas aventuras dos famosos personagens.
                O novo álbum da dupla, intitulado “Astérix entre os Pictos”, foi o 35º da série, e o primeiro a não contar com a participação criativa de sua dupla de criadores. Os roteiros agora eram de Jean-Yves Ferri, com arte de Didier Conrad, que conseguiu manter o estilo de arte de Uderzo. E já são 4 álbuns lançados com o trabalho desta dupla, sendo o último deles publicado no ano passado, chamado “A filha de Vercingétorix”, o 38º álbum da linhagem.
                Casado com Ada Milani em 1953, Albert Uderzo teve uma única filha, Sylvie, em 1956. A filha se tornou profissional do meio editorial, trabalhando para a editora que o pai fundou, após romper o acordo de publicação de Asterix com a Dargaud, em fins dos anos 1970. Mas, em 2007, Uderzo demitiu sua filha da empresa, após desentendimentos que geraram um racha na família. O artista acabou vendendo sua parte na editora para a Hachette, atual detentora dos direitos de publicação de Asterix e Obelix. Imaginava-se que, com o falecimento do artista, a Hachette não poderia mais lançar novas aventuras, mas tudo indica que o contrato de direitos assinados entre a empresa e Uderzo ainda permita a criação de novas aventuras dos personagens, para alívio do público leitor que anseia por novas histórias de Asterix e toda a sua turma. Obviamente, a decisão do pai de vender a editora o levou a ser duramente criticado por sua filha, que o acusou de que “vender Asterix para uma grande empresa seria como abrir os portões da audeia gaulesa dos heróis para os romanos”. Uderzo possuía cerca de 60% da editora, enquanto sua filha detinha os 40% restantes.
Albert Uderzo, ao lado de seu parceiro René Goscinny.
                Felizmente, apesar das divergências, Sylvie e seu pai aparentemente se reconciliaram em 2014, ponto fim às brigas no seio da família, e pacificando a disputa pelo destino de Asterix, que agora se encontra nas mãos da Hachette. E no que depender dela, os leitores poderão ter novas aventuras do intrépido herói gaulês baixinho e de bigode. E a nova dupla artística soube manter a qualidade do legado que receberam, com o primeiro álbum que criaram tendo vendido mais de cinco milhões de exemplares, o que significa que Asterix & Obelix ainda terão vida longa pela frente, continuando um sucesso que já gerou diversos produtos, entre eles vários longas animados, e até produções live-actions.
                Vários artistas do mundo dos quadrinhos prestaram homenagens ao falecimento de Uderzo, inclusive no Brasil, onde Mauricio de Sousa fez uma arte em respeito ao passamento do artista francês. Durante sua longa carreira no meio artístico, Uderzo recebeu vários prêmios e distinções por sua obra, entre eles o Grande Prémio do Milênio, aferido a ele no 26.º Festival Internacional de Quadrinhos Angoulême, em 1999, além do Prémio "Max und Moritz", o mais prestigiado prêmio da indústria de quadrinhos da Alemanha, concedido no XI Festival Internacional de Quadrinhos de Erlangen, em 2004. Posteriormente, em 2007, Albert Uderzo foi elevado à Cavaleiro da Ordem do Leão Holandês, por decisão da rainha Beatriz, da Holanda. Na mesma ocasião, seu falecido parceiro René Goscinny também foi agraciado com a honraria.
                Que Albert Uderzo descanse em paz. Seus carismáticos personagens, criados unicamente por ele, ou em parceria com René Goscinny, divertiram milhões de pessoas em todo o mundo, com mais de 380 milhões de álbuns vendidos, só da dupla Asterix & Obelix. E que eles possam continuar sendo lidos por muitos outros leitores, para felicidade do velho artista.

Os personagens da série de álbuns de Asterix & Obelix. Publicação ganhou o mundo, sendo traduzida para mais de 100 idiomas em muitos países, entre eles o Brasil. Abaixo, alguns dos outros personagens concebidos pela dupla, como Jehan Pistolet, Luc Júnior, e Oumpah-Pah.




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