O mundo dos
quadrinhos está perdendo mais um ícone: depois de 67 anos de publicação
ininterrupta, desde sua primeira edição, a MAD MAGAZINE, ícone ímpar do humor
satírico, está dizendo adeus ao mercado de quadrinhos. A DC Comics, que publica
a revista, emitiu nota afirmando que a edição de agosto deste ano será a última
a contar com material inédito. A revista, na verdade, continuará a ser
publicada por mais algum tempo, mas trazendo apenas republicações de material
antigo, com capas novas. Segundo comentários, a publicação só não está sendo
cancelada de vez para atender aos assinantes, mas tão logo todas as assinaturas
vençam, deve sair de cena de vez. Da mesma forma, falou-se que uma edição
especial de fim de ano poderia trazer material inédito, mas isso carece de
confirmação oficial.
O que vale mesmo,
é que a MAD, depois de quase 70 anos de existência, é a mais nova vítima dos
novos tempos no que se refere ao mercado editorial, e com o agravante de se
perder um dos últimos bastiões do humor livre e politicamente incorreto que
acabou por se tornar tabu nestes tempos do massacrante estilo do politicamente
correto, frente a um público que parece cada vez mais radical e que não sabe
mais rir de si mesmo, ofendendo-se por qualquer coisa, por menor que seja, o
que tem feito do mundo um lugar cada vez mais chato e egocêntrico.
A publicação
estreou em outubro de 1952, sob a batuta do editor Harvey Kurtzman, que
trabalhava para a editora EC Comics, de William Gaines., com o título completo
de “Tales Calculated to Drive You Mad” (“Histórias com a intenção de levá-lo a
loucura", numa tradução em português), e desde o início, publicava
paródias e piadas. O estilo ácido e provocativo da revista logo a colocou na
alça de mira do Comics Code Authority, órgão de censura que virou o pesadelo de
muitas editoras na década de 1950, concebido para “vigiar” as publicações
editoriais estadunidenses depois da polêmica desencadeada pelo livro “Sedução
dos Inocentes”, que associava a delinquência juvenil à leitura de quadrinhos
por parte dos jovens. A MAD, contudo, conseguiu escapar da censura ao mudar o
seu formato para o estilo magazine (revista), dissociando-se do tradicional
formato americano que os títulos de quadrinhos ostentavam na época, e dali em
diante, nada mais deteria a publicação da EC Comics.
Nada era tabu na
revista, que parodiava a tudo e a todos. De grandes sucessos da TV e do cinema,
a personalidades e situações do dia-a-dia, tudo era assunto para render piadas,
sátiras, e todo tipo de produção humorística que viesse à cabeça de seu grupo
de colaboradores. A revista ganhou até seu personagem-símbolo, Alfred E.
Newman, que passou a estrelar as capas da revista e várias páginas internas,
sempre “interpretando” ou “estrelando” as maiores loucuras imaginadas. Apesar
do grande sucesso que a revista estava alcançando, a EC Comics ia mal das
pernas, e Harvey Kurtzman teve de pular fora do negócio, ao mesmo tempo que a
EC fechava as portas. Mas a MAD seguiu em frente, agora com Al Feldstein como
editor, e a partir dali, a publicação viveria seus momentos mais icônicos,
chegando no auge a vender mais de 2 milhões de exemplares. Al Feldstein esteve
à frente da publicação até 1984, quando se aposentou. A editoria da publicação
passaria para a dupla Nick Meglin e John Ficarra, que por lá ficaram até 2004,
quando Meglin também se aposentou da função, deixando Ficarra à frente da
revista desde então. William Gaines, por sua vez, havia vendido o que restou da
EC Comics para a Kinney Parking Company, que também era dona da National
Comics, que viria a se tornar a DC Comics. Gaines passou a ser membro do
conselho diretivo da Kinney, e teve liberdade para continuar publicando a MAD sem
interferências editoriais, e fez isso até 1992, quando morreu, tendo sido um
dos pilares que garantiram a independência da publicação, e um dos motivos da
sua fama entre os leitores.
Tal sucesso não
era obra do acaso. Contando com uma trupe de colabores de peso, como Al Jaffee,
Don Martin, Dave Berg, Mort Drucker, Antonio Prohías, Sérgio Aragonés, entre
muitos outros, a MAD se notabiliza por um humor politicamente incorreto, onde
nada era sagrado, mas fazendo também humor sutil e inteligente, parodiando
situações com muita classe e sem cair no baixo calão. A revista ganhou muitos
leitores de peso, que declararam publicamente seu amor pelo conteúdo por vezes
tresloucado que era publicado, e muitos afirmaram que a decisão da DC, atual
editora responsável pela publicação, de encerrar a produção de material para a
revista significa uma perda irreparável para o mundo editorial, e ao humor
contemporâneo.
Infelizmente, a
MAD já não tinha mais a inspiração e a sagacidade dos bons tempos. Mas, em vez
de tentar formar uma nova e competente equipe que soubesse dar continuidade ao
longo histórico de produções realizadas em quase sete décadas, os manda-chuvas
editoriais preferiram a saída mais fácil, que era acabar com o título, ainda
que de forma sutil. Não foi uma decadência recente, mas um longo processo que
foi se acumulando nos últimos anos, onde a MAD foi perdendo relevância e
importância não apenas pela queda da qualidade do que era publicado em suas
páginas, mas também por más decisões editoriais, que não souberam atualizar a
revista para encarar os novos tempos. Sempre houve lugar para o humor, mas
ultimamente essa se tornou uma área cinzenta e hostil, com um público cada vez
mais rabugento, que implica com piadas por implicar, onde rir de minorias,
gays, entre outros esteriótipos passou a ser visto como discriminação e
racismo. O mundo perdeu a graça de saber rir, e parece determinado cada vez
mais a ficar mais carrancudo e intolerante. A MAD sentiu isso, ainda mais
porque o time criativo dos últimos anos nãol possuía a erudição e o talento com
o qual muitos colaboradores de antigamente sabiam fazer piada de uma maneira
inteligente sem ser provocativa e esculachada.
O grande sucesso
que a MAD fazia no mercado editorial estadunidense não passava despercebido em
outros países, e um deles foi o Brasil, onde a editora Vecchi resolveu arriscar
e lançou a edição nacional da publicação, em 1974. Com Otacílio D’Assunção à
frente da publicação brasileira, a MAD em Português também se tornou um grande
sucesso editorial, chegando a vender cerca de 200 mil exemplares por edição. O
melhor de tudo foi que, para aumentar o material disponível para publicação,
começaram a produzir sátiras e piadas por aqui mesmo, utilizando o trabalho de
artistas nacionais, dando um charme adicional à edição brasileira. Foram 103
edições regulares até 1983, além de várias edições especiais, todas encerradas
pela falência da Vecchi. Mas, para felicidade dos leitores nacionais, a MAD não
ficaria muito tempo longe das bancas: em 1984, a editora Record assumiu a
publicação, que teve por lá o seu período mais longevo, terminando apenas no
ano 2000, após 159 edições regulares e muitas publicações especiais no meio do
caminho com o título MAD in Brazil. E, como vaso ruim não quebrava fácil, a
revista continuou nas bancas brasileiras, agora pela Mythos Editora, e sempre
com o velho Ota como editor, garantindo a qualidade do conteúdo da revista. A
publicação na Mythos encerrou-se em 2006, após 46 números, onde a periodicidade
já não era mais mensal como antigamente. O mercado editorial nacional, que
nunca foi muito fácil, também tinha lá suas crises, e a MAD também começava a
sofrer com isso. Em 2008, a publicação ganhou mais uma chance, agora pela
Panini, que lançou a revista de forma mais regular até 2016, com 90 números, para
então encerrar definitivamente o ciclo da MAD em terras tupiniquins, até o
presente momento. O sucesso da MAD nacional motivou até o surgimento de
revistas concorrentes tentando imitar o seu estilo de humor, como a Pancada,
mas sem conseguir o mesmo sucesso e popularidade, durando pouco tempo nas
bancas nacionais.
Ao longo destes 67
anos, a revista foi publicada nos mais diversos países mundo afora, entre eles
a Argentina, Canadá, Dinamarca, França, Grécia, Holanda, Israel, Itália,
México, Reino Unido, Suécia, Turquia, entre outros, e ainda segue sendo lançada
na Alemanha, Austrália, África do Sul, Espanha, Finlândia, e até na Hungria,
países que certamente cessarão também suas publicações, com o fim da produção
de material nos Estados Unidos. O humor da revista, obviamente, nem sempre
agradava a todo mundo, e não foram poucos os problemas enfrentados pela
publicação durante estes 67 anos de estrada, mas a MAD parecia sobreviver a
tudo, e nem ela era imune à si própria. A própria revista debochava de si mesma,
inclusive satirizando o preço, ou afirmando que seu papel não servia nem como
papel higiênico, ou falando na cara dura que certas edições especiais nada mais
eram do que uma tentativa de faturar mais alguns cobres dos leitores empurrando
material requentado e/ou encalhado. Mas a maioria dos leitores encarava numa
boa, e isso se traduzia em mais um diferencial da publicação, por zoar o
barraco de si mesma.
Nos Estados Unidos, a revista chegou a 550 edições, e
certamente deixará saudades para muitos, em especial os mais velhos, que se
tornaram o principal público leitor da revista desde há muito tempo, apreciando
o humor que ela apresentava todos os meses, e que criticava também o estilo de
vida americano muito antes que certas séries, como Simpsons ou South Park,
ganhassem vida e fizessem o mesmo. No Brasil, a equipe de tradução soube
adaptar com muita categoria as paródias concebidas pela matriz estadunidense,
para não mencionar que o material nacional nada ficava a dever, apresentando
resultados por vezes até superiores, dependendo do assunto. Afinal, como
esquecer as inúmeras paródias de novelas brasileiras que a MAD publicou ao
longo de sua história nacional? Ou a sátira de seriados famosos e filmes.
Jornada nas Estrelas virou “Burrada nas Estrelas”, Robocop virou “Robocó”, O
Incrível Hulk virou “O Incrível Hurgh!”; Rambo virou “Rombo”, entre muitos
títulos traduzidos na versão nacional. E nem os heróis japoneses escapavam,
quando Jaspion foi parodiado na história “Japa”, e os Cavaleiros do Zodíaco
viraram “Caganeira do Zodículo”.
Foram tempos
gloriosos, que infelizmente agora ficarão no passado. Ou nem tanto. Muitos
esperam que a republicação de material antigo consiga levantar o astral da
revista, que continuará sendo vendida em comic shops, além de ser enviada para
os assinantes, e quem sabe a qualidade deste material não consiga estender a
vida da publicação. Afinal, 67 anos de história ainda tem muita coisa para
contar às novas gerações de leitores que tiverem curiosidade, ou a loucura de
tentar ler este tipo de humor que fez o nome e a fama que tornaram a MAD uma
lenda. O mundo, mais do que nunca, precisa cada vez mais de humor e menos gente
emburrada que não sabe encarar a si mesmo com um pouco de deboche e esculacho.
Mesmo que a revista acabe se mantendo neste novo formato, ao menos oferecerá
aos leitores da atual geração todo um repertório de humor construído ao longo
de mais de seis décadas de trabalho que não podem ser esquecidos sem mais nem
menos.
E, quem
sabe, numa dessas, até a MAD ressuscite, inclusive no Brasil. Mesmo sem
material inédito, muita coisa antiga, por mais datada que esteja, ainda vale a
pena ser vista novamente. Afinal, como a publicação se dizia um caso perdido de
quem gostava de ler suas doideiras, e o mundo está cada vez mais louco, quem
sabe um milagre desses não acontece? A esperança é sempre a última que morre...
Sim. As revistas da época da Vecchi eram as melhores, nem acha mais pra comprar...
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