Trazendo
novamente mais um de meus antigos textos na seção "Túnel do Tempo",
esta matéria foi escrita e publicada em 20 de dezembro de 1996, e o assunto era
o sucesso dos desenhistas brasileiros no exterior, mais precisamente, no
mercado estadunidense de quadrinhos, onde foram chegando aos poucos, e depois
ganharam fama e respeito por lá, ao contrário do que acontecia em nosso país,
onde haviam muito poucas oportunidades de ganhar a vida de maneira mais
permanente com a profissão de desenhista de histórias em quadrinhos. Recordem
agora como estava sendo, na época, a invasão do mercado gringo por nossos
heróis do lápis...
COMICS MADE IN
BRASIL
Desenhistas brasileiros invadem as
editoras americanas e conquistam um dos maiores mercados de quadrinhos do
mundo.
Adriano de Avance Moreno
Tudo
começou aos poucos. Um título aqui, outro ali, publicados por editoras
consideradas "menores" ou "pequenas". Mas, pouco a pouco,
obstáculos foram sendo vencidos, mais pessoas se renderam à qualidade do
trabalho, e enfim, conseguiram chegar às grandes editoras. Hoje, inúmeros
títulos de quadrinhos do mercado americano trazem a arte de pessoas como Mike
Deodato Jr., Roger Cruz, Luke Ross, Ed Benes, Joe Benett, entre outros.
E
o que isso tem de mais? Simples: todos estes artistas são brasileiros. E um
verdadeiro contingente de artistas nacionais está invadindo as editoras de
quadrinhos americanas e conquistando fama em um dos maiores e mais concorridos
mercados do gênero no mundo.
Tudo
começou há poucos anos atrás, por intermédio do Estúdio Art & Comics, uma
empresa criada com a finalidade de tradução e adaptação de histórias em
quadrinhos americanas para as editoras nacionais. Aos poucos, porém, o estúdio
passou a contatar as editoras dos EUA para agenciar trabalhos para artistas
nacionais. Depois de muita insistência, conseguiram alguns trabalhos em
editoras pequenas como a Malibu, Eclipse, Innovation, e Continuity Comics. Os
títulos deste período que ficaram a cargo de artistas nacionais foram
Deathworld (Mark Campos), Rainha dos Condenados (Cariello), a Bela e a Fera
(Mike Deodato Jr.), Entrevista Com o Vampiro (Alex Jubran), Light Fantastic
(Joe Benett), Lucifer Hammer (Rogerio Vilela), e Blood Is The Harvest (Luke
Ross).
Pouco
depois, a Innovation e a Eclipse fecharam, e a repercussão de todos estes
trabalhos nas pequenas editoras ajudou o Art & Comics a começar contatos
com a DC Comics. O esforço deu resultado, e em 1993, a editora contratou o
brasileiro Mark Campos para desenhar a revista "League of Justice"
(Liga da Justiça), após ter sido aprovado em uma história de teste na revista
"Darkstar", da mesma editora.
Liga da Justiça no desenho de Mark Campos. |
A
invasão brasileira não parou por aí. Pouco depois, Mike Deodato Jr. assumiu o
título "Wonder Woman" (Mulher-Maravilha), e arrasou na arte das
histórias, dobrando a vendagem do título. Deodato, por sua vez, também fez a
minissérie "Glory" para a Image Comics, que também foi um sucesso
arrasador, especialmente pelos seus desenhos sensuais das super-heroínas, que
fez os leitores americanos babarem, literalmente.
Deodato,
por sinal, é o maior astro da turma de brasileiros que estão conquistando os
leitores americanos. No momento, ele está cuidando de nada menos do que 4
títulos mensais para a Marvel Comics: "Journey Into Mistery",
"Incredible Hulk", "Ultraforce", e "Elektra".
Para completar, o artista ilustrou também a edição especial "Hércules Vs
Hulk", que está sendo publicada este mês nos Estados Unidos. Uma
curiosidade sobre este paraibano de 32 anos é que, no início, ele achava que
seus desenhos não teriam chance de serem aprovados por serem realistas demais.
Depois de folhear algumas revistas da Image, teria ameaçado: "Esses caras
que se preparem; vou ser melhor do que eles!" Verdade ou não, Deodato
agora é o desenhista Nº 1 no quesito super-heroínas. E quem tiver dúvidas por
conferir sua arte nas aventuras da Mulher-Maravilha que estão sendo publicadas
pela Abril Jovem atualmente, na revista mensal Shazam!. E também na minissérie
Glory, da Image, que está sendo lançada nas bancas nacionais também neste mês,
pela Abril.
Outro
brazuca que arreipou os americanos é Roger Cruz, que desenha o título
"X-Men" para a Marvel, e também o título "Youngblood" para
a Maximum Press, de Rob Liefeld. Roger também fez a minissérie mutante
"X-Men: A Era do Apocalypse", e desenhou também o título dos heróis
mutantes mais antigo de todos: Uncanny X-Men.
Mas
a lista dos desenhistas tupiniquins inclui muitos outros nomes. E a valorização
deles já é tão boa que o estúdio de Rob Liefeld, o Extreme, já contratou nada
menos do que 6 brasileiros para desenhar seus títulos. Além de Roger Cruz
desenhando o Youngblood, tem também Mike Deodato Jr. (Lady Spring), Joe Benett (Supreme), Hector
Gomes (Battlestar Galactica), Fabio Laguna (Maximage), e Many Clark (posters,
cards, e pin-ups).
Na
Marvel, mais um brasileiro brilha: Luke Ross, desenhando o título
"Spetacular Spider-Man". Joe Benett, por sua vez, também cuida do
título "Spider-Man Unlimited". Na lista de títulos da Marvel,
"Spider-Man 2099" já passou pelas mãos de Luke Ross, enquanto o
Motoqueiro Fantasma (Ghost Rider) e o Hulk (Incredible Hulk) também já tiveram
a arte de Roger Cruz. "Ravage 2099" também já teve desenhos de Joe
Benett.
Glory, no traço de outro brasileiro, Ed Benes. |
Ed
Benes, desenhista atual do título "Glory", de Rob Liefeld, já listou
no currículo os títulos "Flash", "Gunfire" e
"X-Terminator", todos da DC Comics. Outro que também passou pela DC
foi Cesar Lobo, que fez as edições 6 e 7 de "Judge Dredd". Pelo mesmo
caminho foram os irmãos Octavio e Sergio Cariello, que desenharam títulos como
o Exterminador e Black Lightining. Além de ilustrar a série Blood Child para a
pequena editora Millenium.
Outro
nome bem cotado na DC Comics é Rodolfo Damaggio. Único desenhista brasileiro
que mora no exterior (San Diego, Califórnia, EUA), Damaggio é o atual
responsável pelo título do Arqueiro Verde, e já está escalado pela DC para
fazer a quadrinização do 4º filme do Batman, atualmente em produção, e que deve
estrear em abril de 1997 nos cinemas mundiais. Outro nome brasileiro que também
está na DC é Al Rio, que faz a arte do título "Extreme Justice" para
a editora. Klebs, outro desenhista brasileiro, já assinou o traço da série mutante
"Excalibur", entre outros trabalhos diversos.
Arqueiro Verde e Lanterna Verde na arte de Rodolfo Damaggio. |
Hélcio
de Carvalho, do Estúdio Art & Comics, admite que o início foi duro, pois os
americanos estavam receosos com o profissionalismo dos brasileiros, depois de
algumas tentativas malsucedidas com argentinos e filipinos. O ponto fundamental
da credibilidade é o respeito pelos prazos. Isso, claro, sem comprometer a
qualidade do material, embora o respeito aos prazos seja o principal requisito,
pois também é muito importante.
O
Estúdio é quem faz o trabalho de intermediação: recebe os roteiros, traduz tudo
e manda para os desenhistas. Estes, por sua vez, terminado o trabalho, mandam o
desenho via Sedex para o Art & Comics, que por sua vez remete direto para
as editoras americanas. E o endereço dos desenhistas brasileiros varia
bastante: Deodato mora em
João Pessoa, na Paraíba; Ed Benes é de Limoeiro do Norte
(Ceará); Joe Benett mora em Belém (Pará); enquanto Roger Cruz reside no
Butantã, em São Paulo
capital; e por aí vai.
Tanto
sucesso já gerou algum ciúme entre os desenhistas americanos, que passaram a
receber até instruções dos chefes das editoras para copiar o estilo de desenho
dos brasileiros. E, para desespero da concorrência gringa, os artistas
brasileiros ainda tem muito chumbo grosso para usar nesta guerra. Azar o deles!
Arte de Luke Ross para a revista Comics Generation. |
PSEUDÔNIMOS
Quase
todos os desenhistas brasileiros usam pseudônimos para ilustrar suas histórias,
com algumas exceções. Segundo Hélcio de Carvalho, há preconceito contra latinos
nos Estados Unidos, razão da "americanização" dos nomes dos desenhistas
brasileiros, salvo algumas exceções. Para uma exemplificação, segue abaixo uma
relação da maioria dos artistas nacionais e seus respectivos pseudônimos:
Nome Profissional (Pseudônimo)
|
Nome Real
|
Mike Deodato Jr
|
Deodato Taumaturgo Borges Filho
|
Roger Cruz
|
Rogério Cruz
|
Luke Ross
|
Luciano Queirós
|
Alex Jubran
|
Alexandre Jubran
|
Mark Campos
|
Marcelo Campos
|
Ed Benes
|
Edilbenes Bezerra
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Joe Benett
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Benedito José Nascimento
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Klebs
|
Klebs de Moura e Silva Júnior
|
Al Rio
|
Álvaro Rio
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Sergio Cariello
|
Sergio Cariello
|
Octavio Cariello
|
Octávio Cariello
|
Cesar Lobo
|
César Lobo
|
Many Clark
|
Manuel Clark
|
Hector Gomes
|
Hector Gomes
|
Fabio Laguna
|
Fábio Laguna
|
Rodolfo Damaggio
|
Rodolfo Damaggio
|
ATUALIZANDO: Quase 20 anos
depois, hoje ouvir falar de desenhista nacional fazendo séries para editoras de
quadrinhos no exterior não causa mais surpresa em ninguém. Passou a ser visto
com naturalidade termos desenhistas nacionais produzindo artes para editoras
estrangeiras. Continuamos tendo excelentes profissionais prestando serviços
agora não só para editoras dos Estados Unidos, mas até da Europa, e o número de
artistas brasileiros empregados fazendo quadrinhos até aumentou, sendo que
vários deles participam de convenções nacionais e até internacionais do gênero.
Novos nomes entraram no mercado, ao passo que alguns outros saíram, e teve quem
saiu e depois retornou. Houve momentos de vacas magras, não porque deixamos de
ter artistas talentosos produzindo quadrinhos, mas porque este mercado tem seus
momentos de altos e baixos, como qualquer um. O que não mudou muito foi a
realidade do mercado nacional: viver exclusivamente de desenhar quadrinhos no
Brasil continua sendo uma tarefa inglória, e a única maneira de ter maior
segurança e trabalho frequente é desenhando para o exterior. É verdade que
surgiram oportunidades e projetos de quadrinhos nacionais publicados com mais frequência
nos últimos anos, mas diante do número de profissionais de que dispomos, essas
oportunidades infelizmente não são suficientes para empregar a todos.
Assim,
boa parte do pessoal tem que esperar, pelo menos no caso de quem desenha comics
para editoras como Marvel e DC, ver o seu trabalho ser publicado aqui depois de
ser lançado no exterior. E esperar que um dia se possa criar e desenvolver
efetivamente um mercado de quadrinhos nacional que possa absorver todos estes
talentos que surgem no Brasil. Mas vai ser difícil mesmo, pois a mentalidade
das editoras, aliada às dificuldades e realidade do mercado, continua
implacável. Ainda sai mais barato licenciar quadrinhos prontos do que
desenvolvê-los por aqui. Mas, aos poucos, com iniciativas mais frequentes e
ousadas por parte das editoras nacionais, além de novas ferramentas que a
internet oferece hoje em dia, quem sabe isso venha a se tornar realidade.
Mike Deodato "estourou" no mercado americano desenhando o título da Mulher-Maravilha para a DC Comics. |
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