Série é uma das mais novas produções da animação japonesa a enfocar o universo das corridas de carros de competição, mas vai muito além das disputas na pista.
Adriano de Avance Moreno
Uma das características marcantes da indústria de animação do Japão é sua versatilidade para contar histórias de todo tipo de assunto. Diferente dos Estados Unidos, onde animação pegou a marca de “coisa de criança”, na Terra do Sol Nascente o meio possui séries contando histórias que podem ser tanto infantis quanto adultas, atendendo a vários públicos e gêneros específicos, sem frescuras que limitam a criatividade das séries animadas ocidentais.
Um dos gêneros que a animação nipônica atende é o esporte, tendo sido produzidas até hoje diversas séries onde alguma modalidade esportiva é o mote principal dos personagens, como por exemplo, Ashita No Joe, onde o protagonista busca a glória na carreira de boxeador, ou Slam Dunk, onde rapazes de um time escolar juvenil buscam mostrar seu talento nas competições de basquete. E temos também séries voltadas para o automobilismo, como Capeta, onde um jovem garoto passa a competir no kart, e posteriormente nos monopostos, em busca do seu sonho de se tornar um campeão das corridas. Há várias outras séries sobre os mais diversos esportes e jogos, que foram sendo lançados ao longo do tempo, sempre tendo um público-alvo por vezes mais geral, ou mais específico.
E agora, uma nova série produzida neste ano, voltou a abraçar o universo das competições do esporte a motor, “Overtake!” (Ultrapassar, em português), composta de apenas 12 episódios, exibida de outubro a dezembro deste ano de 2023, numa produção conjunta do estúdio Troyca e do Grupo Kadokawa de Entretenimento, empresa que atua nos setores editoriais e de mídia do Japão, com larga participação na criação de séries dos mais diversos gêneros e assuntos. Nesta nova série, o palco esportivo que serve de base para a história é o campeonato japonês de Fórmula 4, categoria-base de competições de monopostos para os jovens pilotos que aspiram fazer carreira no mundo do automobilismo.
Embora possa ter como palco o ambiente das corridas, o foco central da série não está exatamente no universo do automobilismo. Tudo bem, o objetivo de alguns dos personagens é vencer, ser campeão, e para isso, eles terão que superar os desafios normais que toda competição apresenta, mas a história está mais centrada nos problemas pessoais dos personagens e em seus corações, e de como eles precisarão e como conseguirão superar essas dificuldades para poderem seguir adiante, sendo que muitas vezes eles nem sabem mesmo qual é o principal problema que os afetam, embora conheçam suas consequências.
Os carros da categoria Super GT dão as caras na série, mas são apenas figurantes. |
Como consegue tirar fotos de paisagens, lugares e de multidões, ele ainda consegue seguir na profissão. Inicialmente encarregado de fotografar a etapa da categoria Super GT na pista do autódromo de Fuji, ele acaba conhecendo o universo da categoria de apoio, a Fórmula 4, através de um velho amigo, proprietário de um time de ponta na competição, a Belsorriso Motor Sports, e acaba tendo contato também com um dos menores times na disputa, a Komaki Motors, conhecendo o piloto do time, um jovem chamado Haruka Asahina, que a princípio parece ríspido e arrogante, não indo com a cara do fotógrafo. Mas Haruka, a exemplo de Kouya, também tem um trauma pessoal, que serve de motivação para sua carreira de piloto, mas que a exemplo de Madoka, também não foi resolvida até hoje. Após ver Haruka se esforçar na corrida, mas ver seus esforços irem pro brejo devido a um pneu estourado, Kouya consegue flagrar o jovem piloto nos fundos do paddock, extravasando sua tristeza e frustração, e consegue captar esse momento, apesar de seu trauma. Um pequeno passo para muitos, mas algo gigante para ele naquele momento, motivado pelo que viu na pista. E ocorre um passo importante que irá afetar tanto a ele quanto o jovem piloto da pequena equipe.
Uma foto que significou o fim para Madoka (acima), e uma outra foto que representa um recomeço para ele (abaixo). |
Por mais genuíno que sejam as intenções de apoio de Madoka à Komaki Motors e seu piloto, Haruka demora a ter simpatia por ele, e a acreditar que ele possa de fato ajudar em algo. Mas os esforços do fotógrafo acabam sendo reconhecidos pelo piloto, que toma conhecimento também dos problemas pessoais vividos por Madoka, reconhecendo que ele próprio também tem seus problemas, e que talvez Kouya tenha conseguido dar um pequeno passo ao tirar sua foto, por reconhecer seu esforço genuíno de dar tudo de si, algo que ele já não era capaz há muito tempo.
Saeko tenta fazer com que Kouya volte a dar o seu melhor, mas é difícil ajudar o ex-marido, que precisa encarar seu trauma de anos atrás. |
Harunaga e Tokamaru, a dupla de pilotos da equipe Belsorriso. |
“Overtake!” acabou sendo como um lançamento de aniversário da Troyca, que em 2023 comemorou 10 anos de fundação, embora o objetivo da série não fosse ter esse sentido. Uma empresa relativamente jovem no concorrido mercado de animação nipônico, a Troyca foi fundada ex-produtor da AIC Toshiyuki Nagano, pelo diretor de fotografia Tomonori Katou, e pelo diretor de anime Ei Aoki em maio de 2013. O estúdio tem sede em Shakujii-cho, no bairro de Nerima, em Tóquio, capital do Japão. Nestes dez anos o estúdio já produziu diversas séries, algumas originais, outras derivadas de mangás e/ou novels. Entre os títulos produzidos temos Aldnoah.Zero; Beautiful Bones: Sakurako's Investigation; Re:CREATORS; Idolish7; Bloom Into You; The Case Files of Lord El-Melloi II: Rail Zeppelin Grace Note; Idolish7: Second Beat!; Idolish7: Third Beat!; Shinobi no Ittoki; e Atri: My Dear Moments.
“Overtake!” também é uma produção original, isto é, criada diretamente para animação, não existindo uma versão em mangá ou novel, de onde são inspiradas a imensa maioria das séries de animação produzidas atualmente no Japão.
A série retrata com fidelidade os carros da competição da Fórmula 4, bem como os lugares onde eles correm. Fãs mais calejados das corridas irão reconhecer as pistas mais famosas do Japão, como o Circuito de Fuji, à beira da montanha símbolo da Terra do Sol Nascente, ou as pistas de Suzuka, palco tradicional das corridas da Fórmula 1, ou o completo de Motegi, onde a MotoGP realiza sua etapa nipônica da temporada.
Nas cenas dos autódromos e no visual dos carros de competição que são mostrados, patrocinadores fictícios se misturam com nomes de empresas reais ligadas ao mundo das competições, como Dunlop, Porsche, Bosch, entre outros. Todos os nomes reais tiveram autorização para serem usados na série, que também pôde utilizar a denominação oficial de FIA – F-4 do campeonato, com autorização da própria FIA, entidade que comanda o automobilismo internacional.
Patrocinadores reais se misturam a patrocinadores fictícios na série, tanto nos autódromos quanto nos carros participantes (acima). |
Todo o time da Komaki Motors na foto: o mecânico, o proprietário, e o piloto. |
Muito esforço e trabalho duro movem o pessoal da pequena Komaki Motors. Não há milagres inesperados para salvar o dia numa prova de competição... |
Mesmo assim, as dificuldades de competição para um time de poucos recursos são enormes, e Haruka sente na pele os limites de seu carro, quando tenta enfrentar rivais mais estruturados na pista, sem ter pneus suficientes para acelerar o necessário, ou ter de moderar sua pilotagem para evitar sofrer acidentes e danificar o carro, o que poderia comprometer a escuderia, e ficar sem ter onde competir. O orçamento mínimo de cerca de 11 milhões de ienes (cerca de pouco menos de 8 mil dólares), mencionado na série, foi aferido em informação fornecida pelo meio, sendo que um time de ponta pode ter um orçamento de cerca de 18 a 20 milhões de ienes (cerca de aproximadamente 13 a 14,5 mil dólares), o que faz muita diferença nas chances reais de competição na pista, podendo ter mais peças de reposição, pneus, e mecânicos para trabalhar nos carros. Como Tokumaru explica a Madoka enquanto andavam pelo paddock de Fuji, tudo o que se precisa é “técnica” (leia-se talento e capacidade) e “grana” (patrocínios que garantam dinheiro para a operação). Talento é essencial para se ter sucesso, mas sem dinheiro, não há como se conseguir mostrar adequadamente do que se é capaz na pista. Mas o inverso não é real: dinheiro, por si só, não é garantia de talento na pista, por melhores que sejam as condições do carro que pilota.
Logo da série do estúdio Troyca (acima). Os pilotos da Belsorriso participam na tradicional entrevista oficial do evento (abaixo). |
Todos os locais das corridas retratam fielmente os autódromos reais e o ambiente da competição da F-4 japonesa, com suas estruturas recriadas com CG (acima). |
A equipe de produção visitou a região de Gotenba, onde de passa parte da história da série, próxima ao autódromo de Fuji, para fazer uma representação mais fiel das cidades. Inclusive, o prédio onde na história é a sede da Komaki Motors é de uma oficina de verdade que existe no local. E a equipe, quando não está competindo, vive de consertar carros para se manter.
A sede da Komaki Motors é baseada em um prédio real que funciona de fato como oficina na região de Gotenba. |
A idéia de usar animação CG para ilustrar os carros na corrida inicialmente previa usar isso apenas em cortes fechados nos monopostos, mas como o resultado visual poderia ficar desbalanceado em relação ao traçado da pista, decidiu-se que todo o traçado também seria feito em CG, bem como a paisagem e instalações circundantes, leia-se boxes, arquibancadas, e estruturas publicitárias e de infraestrutura dos circuitos. Isso ajudou a dificultar um pouco os prazos de finalização da série, devido aos esforços necessários para deixar tudo da melhor maneira possível, mas felizmente a produção foi finalizada, e a série estreou no primeiro final de semana de outubro no Japão, sendo disponibilizada para vários países do mundo, inclusive o Brasil, através do serviço de streaming Crunchryoll.
Desde o início, “Overtake!” foi planejado para ser uma série de apenas uma temporada, de modo que cada personagem foi criado de forma a ter importância relevante para a trama, evitando encher a história com personagens desnecessários que poderiam ocupar o tempo necessário para desenvolver a participação de todos os que realmente importam para a história.
Foi preciso também construir um enredo capaz de cativar os telespectadores que não são fãs de automobilismo, e fazê-los compreender como esse universo funciona de fato. Isso é feito através de Madoka, que revela não saber praticamente quase nada de corridas, o que não o impediu de se empolgar com a competição, e com o drama vivido por Haruka em seu desafio de competir por um esquema quase amador contra rivais muito mais bem equipados. Aos poucos, detalhes aqui e ali do mundo das corridas são revelados a Kouya, e também ao expectador, mostrando quão complexo e desafiador é este mundo, ainda que não haja muita profundidade nos detalhes de vários aspectos, mas o suficiente para gerar a empatia necessária para entender o panorama da competição.
Madoka, Asahina, Harunaga, Tokumaru... Todos eles têm desafios pessoais para vencer, numa luta onde o apoio dos amigos e colegas pode ter sua importância, mas é no íntimo de cada um deles que poderão encontrar as respostas para reconhecerem seus problemas reais, e como lidar com isso, num processo de autoconhecimento e amadurecimento que fará com que possam recuperar o que perderam, ou avançarem tanto pessoalmente quanto profissionalmente. É esse o espírito principal do tema da série, “Overtake”, onde os personagens precisarão ultrapassar e superar seus desafios, deixando-os para trás para seguirem adiante, no que será de fato a grande vitória que buscam, mais até mesmo do que receber a bandeira de chegada de uma corrida em primeiro lugar. Irão conseguir, ou ainda precisarão de maiores esforços para vencer seus medos e inseguranças? Só assistindo à série para descobrir...
PERSONAGENS:
OVERTAKE – FICHA TÉCNICA
Número de episódios: 12
Exibição: 01.10 a 17.12.2023
Diretor: Ei Aoki
Composição da série: Ayumi Sekine
Música: Kana Utatane (F.M.F)
Character Design original: Takako Shimura
Character Design: Masako Matsumoto
Diretor de arte: Akira Itō (Studio ARA)
Diretor de som: Jin Aketagawa
Diretor de CGI: Masaya Machida (Stimulus Image); Mitsutaka Iguchi
Diretor de Fotografia: Tomoyoshi Katō
Desenho de cores: Mariko Shinohara
Edição: Shota Migiyama
Supervisão: Katsuhiko Takayama
Temas musicais: Kanae (Abertura); Tasuku Hatanaka (Encerramento)
Direção visual de arte: Takuya Sejima; Tomoyuki Arima
Efeitos visuais: Ryosuke Tsuda
Produção de Animação: Troyca
Criação original: Troyca; Kadokawa Entertainment Group
Distribuição em streaming: Crunchyroll
Vozes originais
Haruka Asahina: Anan Furuya
Kouya Madoka: Katsuyuki Konishi
Saeko Yukihira: Ayumi Tsunematsu
Satsuki Harunaga: Kengo Kawanishi
Futoshi Komaki: Kenta Sasa
Kyousuke Ena: Masayuki Katou
Arisu Mitsugawa: Reina Ueda
Toshiki Tokumaru: Taku Yashiro
Kotaro Komaki: Tasuku Hatanaka
A F-4 NO JAPÃO
Largada de prova do campeonato da F-4 na pista de Fuji. |
Os campeonatos de Fórmula 4 foram uma nova categoria difundida pela Federação Internacional de Automobilismo (FIA) para servir de categoria de entrada para jovens pilotos oriundos do kart. Implantada na década passada, a Itália foi o primeiro país a sediar um campeonato da nova competição, que se caracteriza por equipamento padronizado para todos os times, de forma a dar aos pilotos a capacidade de aprenderem e se destacarem pelo seu talento, criando uma nova geração de pilotos para as competições do esporte a motor.
No Japão, o primeiro campeonato foi realizado em 2015, e desde então, esta tem sido a categoria-escola para muitos jovens pilotos nipônicos que buscam fazer carreira no automobilismo, nacional e internacional. A nova categoria começou como evento de apoio ao campeonato da Super GT, posição que mantém até hoje, e vem ganhando popularidade entre os fãs do desporto, apresentando competições acirradas todos os anos desde sua criação, graças ao fato de todos os pilotos usarem o mesmo tipo de equipamento, restando poucas opções permitidas aos times para mexerem no carro e melhorar seu desempenho. O certame é chamado oficialmente de FIA-F4, e chancelado como campeonato regional pela Federação Japonesa de Automobilismo. Os carros são produzidos pela Dome (chassi) em parceria com a Tom’s (motores), sendo que desde sua criação tem sido usado o mesmo modelo F110 desde o primeiro campeonato, até os dias atuais, o que ajuda a manter os gastos de competição em valores bem acessíveis. Os motores também são iguais para todos, unidades aspiradas de 4 cilindros em linha, com volume total de 2.000cc, com aproximadamente 160 cv de potência total, fornecidos em sistema de leasing aos times. Todo o equipamento é oficialmente homologado pela FIA. A competição é administrada oficialmente pela direção da Super GT Series.
Com carros iguais para todos os pilotos, as disputas são sempre no braço dos pilotos, sendo muitas vezes bem aguerridas. |
Produzido pela Dome, o chassi F110 é o mesmo desde o primeiro campeonato da F-4, em 2015. As equipes podem mexer muito pouco no carro, pelo regulamento. |
Produzido pela Tom’s, o motor da categoria é um propulsor de 2 litros com quatro cilindros em linha, com potência próxima de 160 HPs, fornecido via leasing para todos os participantes. |
A cada temporada, o Campeonato FIA-F4 japonês é dominado por jovens talentos que anseiam em se tornar os melhores pilotos do futuro. Diversos nomes que iniciaram nesta competição de monopostos, com Sho Tsuboi, Nisuke Makino, Hiroki Otsu, Ritomo Miyata, Harunan Sakaguchi, Ukyo Sasahara, Fumiki Oyuto e Teppei Natori. Kazuto Odaka e Hibiki Taira, subiram para as divisões superiores, abrindo espaço para toda uma nova geração de pilotos nipônicos que buscam fazer carreira no automobilismo, cumprindo com sua missão de categoria-escola de monopostos.
Temporada 2023
A temporada 2023 da F-4 japonesa foi composta de 7 etapas disputadas em rodadas duplas, perfazendo um total de 14 provas em cinco pistas diferentes, sendo que os circuitos de Fuji e Suzuka receberam duas etapas na competição. Todas as etapas foram realizadas como evento de apoio nas etapas do Super GT Series, o principal campeonato de Grã-Turismo do Japão.
Um total de 58 pilotos participaram da temporada, embora apenas 33 tenham feito a temporada de forma completa, e os demais, participações maiores ou menores nas corridas. O título da temporada foi conquistado por Rikuto Kobayashi, com 5 vitórias no ano, defendendo a equipe TGR-DC Racing School.
CORRIDAS |
CIRCUITOS |
Rodadas 1 e 2 |
Fuji International Speedway |
Rodadas 3 e 4 |
Suzuka Circuit |
Rodadas 5 e 6 |
Fuji International Speedway |
Rodadas 7 e 8 |
Suzuka Circuit |
Rodadas 9 e 10 |
Sportsland Sugo |
Rodadas 11 e 12 |
Autopolis International Racing |
Rodadas 13 e 14 |
Twin Ring Motegi |
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