Em
agosto de 2013, o mercado nacional de quadrinhos sofreu um abalo poucas vezes
imaginado até então. A Savat, uma editora que tinha como ponto forte lançar
coleções de itens variados, resolveu apostar no mercado de quadrinhos, trazendo
às bancas e livrarias a COLEÇÃO OFICIAL DE GRAPHICS MARVEL, que seria composto
inicialmente de 60 edições com acabamento de primeira qualidade, capa dura, e
publicação quinzenal. E o mais importante: por um preço que era, à epoca, bem
mais acessível que as edições de luxo equivalentes publicada pela Panini
Comics, casa oficial da Marvel em nosso país. Pode-se dizer que foi um
verdadeiro estouro, a ponto de motivar empresas rivais, como a Eaglemoss e a
Planeta DeAgostini a investirem no segmento, lançando coleções de quadrinhos em
formato de luxo dos heróis da DC, e dos quadrinhos de Star Wars. E a própria
Salvat, vendo o sucesso da empreitada, não tardou em lançar uma nova coleção,
OS HERÓIS MAIS PODEROSOS DA MARVEL, outra coleção de Graphics estrelada pelos
super-heróis da Marvel Comics, a exemplo da primeira, que ficou conhecida
popularmente como coleção “Capa Preta”, enquanto esta nova virou a coleção
“Capa Vermelha”.
De lá
para cá, foram inúmeras edições chegando regularmente às bancas e livrarias do
país, em esquemas de distribuição diferenciados, e abrindo de vez o mercado de
venda de quadrinhos de luxo para as livrarias, aumentando o leque de opções
para os leitores adquirirem HQs em nosso país, até então mais centrado em
bancas e comic shops. Mas veio a crise econômica, e com isso, o mercado de
quadrinhos nacional, que mesmo nos tempos de bonança econômica tinha seus
problemas, também sentiu seus efeitos, uma vez que boa parte do público leitor
já não tinha como manter o mesmo nível de consumo de quadrinhos. Ou não?
Por incrível que pareça, as
coleção de Graphics resistiram, em meio aos trancos e barrancos do mercado de
quadrinhos. A coleção Capa Preta, após atingir as 60 edições programadas, foi
ampliada para 120, obviamente em razão dos bons números de venda até então. A
coleção Capa Vermelha foi estendida de 60 para 100 números, mantendo o otimismo
da operação. E a Salvat, confiando em manter o sucesso, lançou mais uma nova coleção,
esta exclusiva do Homem-Aranha, da Marvel Comics. E não foi apenas essa: Tex, o
ranger do velho oeste, carro-chefe das publicações da Mythos Editora, também
ganhou uma coleção de Graphics nos mesmos moldes editoriais dos lançamentos das
séries da Marvel. Apesar das dificuldades econômicas, que provocaram o
desemprego de mais de 12 milhões de brasileiros, por incrível que pareça, o
projeto editorial das graphics da Salvat conseguia ir bem, pois do contrário,
não teria havido as ampliações das coleções, nem o lançamento de novas, se as
vendas não justificassem o investimento.
Com os sinais da economia
parando de piorar, parecia que a tempestade estava passando, e pouco a pouco,
os céus voltariam a brilhar, com melhores dias. Tanto que a Salvat chegou a anunciar
o lançamento de uma coleção de Graphics dedicada a Conan, o Bárbaro, cuja fase
de testes, procedimento comum ao lançamento de todas as coleções, ocorreu sem
problemas. Mas quando ia ser lançada, esta coleção acabou sendo adiada de
última hora. Embora a Salvat não tenha se pronunciado oficialmente sobre os
motivos do atraso, as mudanças de propriedade de licença de quadrinhos
envolvendo o personagem do guerreiro bárbaro, que voltava à Marvel depois de
mais de uma década e meia, certamente contribuíram para complicar a situação.
Para os leitores, o adiamento da coleção vinha em boa hora, pois a situação
econômica continuava instável, e os gastos com quadrinhos permaneciam altos.
Era mais do que prudente a Salvat apenas manter sua posição, pois o risco de
saturar o mercado sempre existira, e nos últimos anos, estava mais alto do que
nunca.
E não
era por menos: motivados pela concorrência das Graphics lançadas a rodo pela
Salvat, e com a concorrência da Eaglemoss e da Planeta DeAgostini, Panini e
Abril aumentaram significativamente seus lançamentos de luxo, a primeira
reforçando seus títulos Marvel e DC, enquanto a Abril focava na linha Disney,
com vários títulos a disputarem o bolso do leitor. O que os amantes de
quadrinhos sempre quiseram virara realidade: inúmeros lançamentos com
acabamento de luxo no mercado nacional, dos mais variados personagens, para
delírio dos fãs. Tudo isso em um panorama de debilidade econômica patente que
faria qualquer um temer pelo momento em que tudo implodisse, se os efeitos da
crise econômica atingissem em cheio esse tipo de lançamentos.
O
primeiro sinal do desastre ocorreu em julho passado: a falência da Abril, a
maior editora do país, que vinha sendo mal administrada já havia anos, motivou
o cancelamento da linha de quadrinhos Disney, incluídas suas coleções e edições
de luxo. Mas não ficou nisso: a Total Express, ex-Dinap, praticamente a única
distribuidora de porte do país, foi igualmente afetada pelo entrada do grupo
Abril em recuperação judicial, prejudicando inúmeros clientes. E entre eles, a
Salvat, que tinha suas coleções distribuídas em bancas pela empresa do grupo
Abril. A situação acarretou a suspensão dos lançamentos das novas edições das
coleções em publicação pela Salvat, que ficaram fora das bancas do início de
agosto até o inicio de dezembro, quando a situação começou a se normalizar.
Numa
jogada para tentar recuperar o tempo perdido pela paralisação da distribuição
em bancas, a Salvat resolveu que ia fazer as coleções serem lançadas
semanalmente nas bancas, o que foi considerado por muitos um erro crasso, já
que isso demandaria gastos dobrados para o público leitor, que ainda não vivia
um momento econômico melhor do que nos últimos anos propriamente. A Salvat até
tentou voltar atrás na decisão, mas muitos leitores que já sentiam não ser mais
possível manter os gastos com a coleção começaram a se avolumar, deixando de
comprar por falta de dinheiro. Muitos já haviam desistido, até pelas expansões,
que demandaram mais gastos para quem queria ter todos os números, e via o
número de lançamentos ser estendido, a cada encerramento previsto inicialmente.
Mesmo assim, parecia que as coisas haviam voltado ao normal, com os lançamentos
voltando a chegar regularmente nas bancas. Mas o entusiasmo dos leitores,
depois de mais de cinco anos de lançamentos neste esquema, já não era mais tão
vigoroso quanto antes.
E no último dia 20 desde mês de
março, veio o comunicado oficial feito pela Salvat, anunciando o encerramento
das coleções de Graphics da Marvel em publicação pela empresa. Os motivos,
obviamente, eram o cenário econômico nacional, ainda muito ruim, e com
perspectivas de melhora muito lentas, e ainda incertas, mas a empresa
especificou as dificuldades no processo de distribuição ao longo de 2018, que
culminaram em pausas nas entregas por alguns meses, e que nas palavras da
Salvat, trouxe um impacto direto no planejamento editorial e logístico, a tal
ponto que acabou por motivar as mudanças anunciadas, resultando no calcelamento
das coleções.
Com
isso, a Marvel Capa Preta, que já estava em sua segunda expanção, prevista para
ir até a edição150, só irá até a edição 135. Já a coleção Marvel Capa Vermelha
terá sua expansão finalizada, na edição 100, a qual já está para ser lançada, sem
ter uma nova expansão, como muitos imaginavam acontecer, a exemplo do que
ocorreu antes. E a Coleção do Homem-Aranha também será descontinuada, sendo a edição
40 a última delas, sem atingir a meta original de 60 edições no projeto
anunciado quando de seu lançamento. De acordo com a editora, todos os
assinantes irão receber com o seu último pacote instruções para solucionar a
pendência referente ao saldo financeiro da sua assinatura, e poderão entrar em
contato com a central do assinante em caso de dúvidas referentes ao status do
seu pacote.
Muitos
leitores ficaram indignados com o comunicado, cobrando melhor planejamento e
profissionalismo por parte da Salvat, que em resposta oficial, apenas
mencionava que não foi possível tomar outra decisão. Pelo tempo que as coleções
duraram, e com tantos títulos sendo lançados no mercado, e com o cenário
econômico brasileiro dos últimos anos, é praticamente um milagre tal situação
ter se mantido até agora, para finalmente começar a desmoronar. Por mais erros
que a editora tenha cometido, os lançamentos, até a paralisação da distribuição
ocasionada pela quebra do Grupo Abril, vinham sendo cumpridos, e com aumentos
até razoáveis, se comparados com os praticados pela concorrente Eaglemoss, que
custam bem mais caros. Infelizmente, não dá para agradar a todos, e o principal
erro da Salvat foi não ter sido mais prudente, em um momento difícil da
economia nacional, mantendo um número de edições lançadas acima do que seria
considerado prudente, apesar dos índices de vendas até aqueles momentos
indicarem o contrário. O aumento da competição também ajudou a complicar a
situação do mercado, que desde julho do ano passado se retraiu com a saída da
Abril, e deve encolher ainda mais com o cancelamento das coleções publicadas
pela Salvat.
A
editora ainda publica a coleção TEX GOLD, com previsão de 60 edições iniciais,
e que está praticamente na metade, nos mesmos moldes das coleções de graphics
da Marvel. Por enquanto, parece que essa coleção continuará sendo lançada, mas
depois do ocorrido com as demais, até a conclusão desta coleção de Tex fica na
berlinda se será feita ou não. Infelizmente, é uma perda para o mercado de
quadrinhos, que talvez pudesse ter sido evitada com um pouco mais de moderação
e prudência por parte da Salvat, que infelizmente não teve como contornar o
estrago potencial causado pela paralisação da distribuição ocorrida no ano
passado, que segundo eles, foi o motivo principal do colapso do projeto
editorial.
Para os
leitores, fica a sensação ruim de ficarem com suas coleções incompletas, no
caso da coleção do Homem-Aranha, e da coleção Capa Preta. Já para aqueles que
compravam apenas ocasionalmente, de acordo com o material publicado, também
fará falta na medida que histórias aguardadas não serão mais publicadas com o
cancelamento das coleções. Para a Salvat, a prejuízo da perda da credibilidade
junto ao público leitor, que pode comprometer futuras tentativas da editora de
voltar à publicação de quadrinhos. Ao menos, a coleção Capa Vermelha deu sorte
do momento coincidir com a conclusão de sua expansão, de modo que uma ampliação
da mesma não virá. Uma pena, mas infelizmente, nem sempre as coisas dão certo.
O projeto da Salvat foi muito bom quando lançado, mas infelizmente, a editora
cai no pecado de causar saturação do mercado.
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