O mundo dos quadrinhos sofreu
mais uma baixa no final do mês de junho. Steve Ditko, que juntamente com Stan
Lee, foi responsável pela criação de um dos mais famosos heróis de todos os
tempos, o Homem-Aranha, faleceu aos 90 anos de idade. O artista vivia sozinho,
e sua morte acabou sendo descoberta com alguns dias de atraso, ao ser procurado
por um assistente social que estava preocupado por ele não aparecer para
compromissos de rotina. Estima-se que Ditko tenha falecido, vítima de problemas
cardíacos, por volta do dia 29 de junho. O comunicado de sua morte, porém, foi
feito apenas uma semana depois, e comoveu vários profissionais que o
conheceram, assim como inúmeros fãs dos quadrinhos mundo afora.
Nascido em Johnstown, Estado da
Pensilvânia, nos Estados Unidos, em 2 de novembro de 1927, Stephen J. Ditko foi
o segundo filho de um carpinteiro e uma dona de casa. A partir dos 13 anos,
Stephen passou a gostar dos quadrinhos, uma vez que seu pai costumava ler as
tiras do Príncipe Valente nos jornais. Uma paixão que só cresceu com os vários
quadrinhos de super-heróis que começaram a ser publicados nos anos 1940. Depois
de se formar no colégio, alistou-se no Exército, já no pós-guerra, em 1945, e
durante seu tempo de caserna, começou a desenhar seus primeiros quadrinhos.
Após dar baixa da atividade militar, ele conseguiu se matricular numa escola em
Nova Iorque onde Jerry Robinson, que desenhava quadrinhos de uma de suas séries
favoritas, Batman, ensinava. Alguns anos depois, a partir de 1953, o jovem
começaria a desenhar profissionalmente suas primeiras histórias.
Um de seus primeiros vínculos
profissionais foi com a Charlton Comics, onde faria inúmeros trabalhos pelas
décadas seguintes, com maior ou menor frequência, em esquemas fixos ou de
freelancer. Mas também começou a fazer trabalhos para outra editora, a Atlas
Comics, que alguns anos depois, mudaria de nome, e proporcionaria uma revolução
no mundo dos quadrinhos, com a criação do Universo de Super-Heróis Marvel. E,
em 1962, depois dos primeiros lançamentos da nova levade personagens concebidos
por Stan Lee e Jack Kirby, surgiria a grande oportunidade para Steve. Stan Lee,
cuja premissa dos novos heróis que estava desenvolvendo era mostrar seres
“humanos” e falíveis, tratava de dar um passo mais ousado, com a criação de um
personagem que, por mais que se esforçasse, sempre teria mais problemas do que
satisfações, e ao contrário da maioria dos outros heróis criados até então, ele
seria um adolescente, vivendo todo o tipo de problema que alguém dessa idade
tivesse. Como de costume, Jack Kirby providenciou as primeiras artes do que
viria a ser o Homem-Aranha, novo herói que Lee estava desenvolvendo.
Mas o trabalho de Kirby deixou o
herói “perfeito” demais, na opinião de Stan, que queria alguém que parecesse o
mais “comum” possível. E aí, Ditko entrou na jogada. Seu estilo de arte não era
tão deslumbrante quando o de Jack, e junto com Lee, ele delineou o visual que
tornaria o Aranha conhecido no mundo todo. A arte apresentada era o que Stan
Lee imaginava para o personagem, e sua estréia, na ediçao final da revista
Amazing Fantasy, foi um verdadeiro estouro. E da parceria Lee/Ditko nasceram
vários personagens que se tornariam icônicos no universo de Peter Parker, o
espetacular Homem-Aranha, como J. Jonah Jameson, Gwen Stacy, Betty Brant, além
de vilões como o Doutor Octopus, e o Duende Verde. Como de costume, em muitas
histórias concebidas naquele período, Stan delineava as linhs gerais das
histórias, e Ditko preenchia o resto para desenvolver a história final.
Portanto, Ditko era, ao lado de Lee, o criador do escalador de paredes, já que
desenvolveu o visual da fantasia do herói, além de vários personagens
secundários e parte das tramas iniciais da carreira do aracnídeo.
No ano seguinte, o estilo de arte
de Ditko cairia como uma luva para ilustrar um novo e inusitado herói que seria
lançado pela Marvel Comics: o Doutor Estranho. Este seria um mago, e o visual
psicodélico criado pelo artista para representar os universos da magia com os
quais o novo personagem lidava, se pareciam bizarros, surreais, e até
alucinógenos, faziam tudo se encaixar nos conceitos da magia e forças ocultas,
algo novo no universo Marvel, que até então lidava com heróis em um mundo
regido pela ciência e tecnologia, e quando muito, por divindades, como Thor, o
deus nórdico do trovão.
Em 1966, contudo, Ditko resolveu
deixar a Marvel. Uma das razões seria o fato de Stan Lee levar a maior parte,
senão todos, os créditos da criação dos personagens, o que também acabou
afetando a relação com Jack Kirby. Mas não foi apenas por isso. Steve e Stan
chegaram a ter discussões sobre como deveriam ser feitas as aventuras do
Aranha, e o desenvolvimento do personagem. A incompatibilidade de idéias sobre
os rumos dos personagens acabou por terminar a parceria que havia dado tão
certo. Prova disso foram as premiações do Alley Award recebidas por Steve de
1962 a 1965, todas pelo seu trabalho com o Homem-Aranha. Ditko então passou novamente
pela Charlton, onde já tinha co-criado o herói Capitão Átomo, e concebido as
novas versões do Questão e do Besouro Azul. Ele também passou a trabalhar para
a DC Comics, ajudando a criar o herói Rastejador, e a dupla de irmãos
combatentes do crime Rapina e Columba. Nos anos 1970, Steve estava muito mais
envolvido com a Charlton, uma vez que sua passagem pela DC não havia sido
frutífera, mas ele retornou a ela para produzir vários outros trabalhos, como
na criação de Shade, o Homem-Mutável, ao mesmo tempo em que produzia histórias
de terror e ficção científica para a Charlton. No final da década, ele voltaria
a trabalhar para a Marvel também, ilustrando aventuras de várias séries da
editora, como Rom, Micronautas, Godzilla, Speedball, entre outros.
O artista também passaria a
trabalhar para editoras como a Pacific, Eclipse, e Dark Horse, em trabalhos
como freelancers. Em 1992, Ditko faria sua última criação para a Marvel Comics,
a Garota-Esquilo, personagem que a editora tem usado com alguma frequência nos
últimos anos. Por volta de 1998, o artista aposentou-se “oficialmente” dos
trabalhos, mas nunca parou de produzir novos quadrinhos, que foram lançados por
Robin Snyder, conhecido de longa data no trabalho com várias editoras. Um
trabalho que prosseguiu até os últimos anos de sua vida, mesmo saindo apenas
esporadicamente.
Ditko era avesso ao show
business, por isso, quase nunca deu entrevistas, e nunca ia a eventos, como
muitos colegas do ramo costumam fazer. Mesmo sua vida pessoal é muito pouco
conhecida, e as fotos do artista, poucas. Em uma de suas raras declarações na
carreira, criticou as limitações criativas que as editoras maiores, como Marvel
e DC, impunham a seus contratados, por estabelecer diretizes de como deveriam
produzir seus trabalhos para eles, e por isso preferia sempre a maior liberdade
de trabalho que editoras como a Charlton lhe proporcionava, onde podia dar
maior vazão à sua criatividade. "Eu nunca falo sobre mim mesmo. Meu
trabalho sou eu. Faço o melhor possível e, se quiser, espero que outra pessoa
também goste", teria afirmado em uma ocasião.
Na DC Comics, alguns de seus profissionais
manifestaram seu pesar com a perda do velho artista. "Uma revista em
quadrinhos de Ditko nunca se pareceu com a de qualquer outra pessoa. Além de
seu estilo de arte enganosamente simples - que era exclusivamente dele, Ditko
era um mestre em traçar e preencher suas histórias com energia", afirmou
Dan Didio, diretor de entretenimento da DC Comics. Para Jim Lee, diretor
criativo, "O impacto e as conquistas de Steve Ditko são lendários. O
trabalho que ele criou viverá para as próximas gerações".
Mais um nome que fez história
nos quadrinhos que se vai. Descanse em paz, Ditko.
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