quarta-feira, 30 de março de 2016

OBRA DE FRANCISCO IBAÑEZ GANHA COMPILAÇÃO ESPECIAL



                Para a maioria da geração dos atuais leitores de quadrinhos no Brasil, Francisco Ibañez é um nome praticamente desconhecido, mas o desenhista espanhol já teve várias histórias de alguns de seus mais famosos personagens publicados no Brasil. Os leitores mais experientes certamente conhecem as aventuras de Mortadelo e Salaminho, os hilários agentes secretos da T.I.A. (Técnicas de Informação Avançada), uma paródia da C.I.A., que viviam as mais tresloucadas aventuras em defesa da paz e da justiça, ou simplesmente sobrevivendo ao dia-a-dia, quando não eram recrutados "voluntariamente" pelo Superintendente para testar algum invento criado pelo Professor Bactério, que sempre davam encrenca em alguma coisa. Mas mesmo eles, que são a criação mais famosa de Ibañez, estão longe das bancas nacionais há praticamente 20 anos (em 1996 saiu o último álbum de quadrinhos por estas bandas), o que explica o esquecimento ou a falta de conhecimento potencial dos leitores de quadrinhos.
                Na Espanha, obviamente, a situação é bem diferente, e o quadrinista é considerado um do gigantes do mercado ibérico de quadrinhos, e acabou de completar 80 anos de idade, no último dia 15 de março, e como não poderia deixar de ser, a data mereceu alguns lançamentos especiais para homenagear o aniversariante, que tem mais de 60 anos de carreira, tendo começado a trabalhar com quadrinhos a partir de 1952. Assim, a editora Ediciones B acaba de colocar no mercado espanhol de quadrinhos uma série emblemática desenhada pelo artista, publicada há várias décadas atrás, mas somente agora reunida e compilada em uma única edição especial, como pede o momento.
                13, RUE DEL PERCEBE - EDICIÓN INTEGRAL, é um álbum com cerca de 352 páginas, no formato 23x33 cm, com capa cartonada, ao preço de 30 Euros, reunindo todas as 342 páginas desenhadas por Francisco Ibañez da série, que após a saída do artista, ainda teve várias histórias criadas pelo artista Joan Bernet Toledano. 13, Rue del Percebe teve sua primeira história publicada em março de 1961 da revista "Tío Vivo". A série, criada por Ibañez, exibia o desenho de um prédio em raio-x, mostrava, esquematizado na forma de uma página, o dia-a-dia dos moradores do edifício situado à Rua de Percebe (algo como Rua do Bernacle, em português), no número 13, onde se via todo tipo de gente, e as mais variadas histórias, divididas pelos andares que cada um deles ocupada. O estilo de história não era exatamente original, já tendo sido utilizado por Joaquim Xaudaró, cartunista espanhol do início do século XX, em sua série "Una casa en Nochebuena". Mas a maior inspiração, segundo o próprio Ibañez, teria sido a série de quadrinhos "Un día en Villa Pulgarcito", de Manuel Vázquez, publicada na década de 1950, onde apareciam os personagens de Pulgarcito nos andares distintos de um edifício. Mas até Will Eisner também usou do mesmo recurso em uma página da sua cultuada série "The Spirit", ao mostrar os acontecimentos em um prédio em todos os aposentos de cada andar. Mas ninguém foi tão longe como Ibañez na exploração do potencial deste tipo de recurso na série para as mais variadas situações, com o mesmo estilo de humor que já fazia sucesso na série "Mortadelo & Philemon" (Mortadelo & Salaminho), lançada alguns anos antes e que vinha conquistando os leitores.
                O edifício é ocupado pelos mais variados tipos de personagens. Temos uma mercearia no térreo, onde seu proprietário, um sujeito pra lá de desconfiado, sempre inventa uma maneira de trapacear seus clientes, seja roubando no peso dos produtos, na validade dos mesmos, etc, e de vez em quando entrando pelo cano por causa disso. Há também o zelador do prédio, um sujeito bem intrometido, que gosta de se meter na vida alheia. No primeiro andar, temos um veterinário do qual ninguém sabe qual é seu nome ou apelido, já que todos o chamam simplesmente de "Doutor", mas é um sujeito tão confiável que se você precisar de ajuda é justamente a ele que não se deve recorrer, sob pena de seus problemas ficarem ainda maiores. Há também uma velha moradora que é defensora dos direitos dos animais, e não abr mão da proteção dos bichos, mesmo que para isso seu apartamento fique parecendo um zôo clandestino, onde seus vizinhos nem sempre sabem o que pode sair de lá. No terceiro andar, vive um ladrão e sua esposa, mas ele tem propensão de roubar as coisas mais inúteis possíveis, e isso quando seus golpes dão certo. No último andar, temos Manolo, um pintor que está sempre aumentando o seu rol de credores, no melhor estilo do Zé Carioca, e tal como o papagaio criado pela Disney, está sempre maquinando estratégias para driblar os cobradores que não param de bater à sua porta exigindo que pague suas dívidas.
                E, para não dizer que o edifício só tem pessoas, há também um rato e um gato que vivem literalmente em pé de guerra pelo prédio, com o gato quase sempre levando a pior. Até o elevador do edifício tem suas "aventuras": hora ele não funciona, hora acabou roubado, obrigando os moradores a improvisarem um equipamento substituto (como o uso de um barril amarrado a uma corda, por exemplo), entre outras estripulias. A série foi publicada até 1970, embora Ibañez a tenha desenhado quase ininterruptamente até 1968, sendo substituído por Joan Bernet Toledano, que após substituir Francisco por algumas semanas em 1967, assumiu a série integralmente pelo tempo restante até 1970. Em todos os anos de publicação, apenas um dos moradores se "mudou" do local: havia um cientista louco morando em um dos andares, com direito a monstro de Frankestein e tudo. Devido à censura da ditadura do General Franco, o artista teve que substituir o personagem, e seu apartamento acabou sendo ocupado por um agente imobiliário, e por fim, por um alfaiate. O argumento era ridículo, afirmando que "só Deus pode criar a vida", e aparentemente, o fato do cientista maluco criar monstros de todo o tipo ofendeu de alguma maneira a imbecil ditadura franquista.
                Ocasionalmente, a série recebeu visitas "inesperadas" de outros personagens de Ibañez, como Rompetechos (Miopinho, no Brasil), o personagem ruim de vista fazendo suas maluquices de sempre, para não mencionar que até mesmo Mortadelo e Salaminho chegaram a dar o ar da graça em raros momentos, para ainda maior diversão dos leitores. Ibañez desistiu de continuar a série devido à rigidez do formato adotado para a mesma, além da dificuldade de se criar sempre várias situações cômicas envolvendo cada um dos moradores do prédio, o que nem sempre favorecia a inspiração na hora de criar as histórias, mesmo sendo bem curtas. Após o fim da sua produção, o material foi republicado várias vezes em diversas outras publicações nos anos seguintes, para felicidade dos leitores. Isso foi aumentando a popularidade das histórias da série, que se tornou cult entre os leitores de quadrinhos espanhóis. Inclusive, no primeiro filme live-action de Mortadelo & Salaminho, produzido em 2003, vários personagens desta série apareceram durante a história. Em 2010, Javier Fesser, que dirigiu aquele filme, produziu um anúncio de uma marca de refrigerante estrelada pelos personagens da série.
                E agora, os leitores espanhóis terão a chance de rever quase por completo toda a série. Só não será completa porque Ibañez exigiu que a edição trouxesse apenas o material que ele desenhou, o que deixou as histórias de Toledano de fora. Mesmo assim, é um material clássico que os fãs irão adorar conhecer e/ou rever, em uma edição que certamente vem em momento mais do que oportuno para a comemoração dos 80 anos de Francisco Ibañez.
                Uma pena que este material produzido por Ibañez tem poucas chances de ser publicado por aqui, onde continua completamente inédito até hoje. Se mesmo Mortadelo & Salaminho, seus mais famosos personagens, não tem tido chances de serem publicados por aqui nos últimos 20 anos, mesmo sendo conhecidos e tendo ainda vários fãs em nosso país, esta série, completamente desconhecida dos leitores nacionais, dificilmente aportará em nossas bancas ou livrarias, impossibilitando aos fãs de quadrinhos obtê-la, a não ser que se recorra à compra da edição espanhola, que pode ser feita em sites de livrarias espanholas.

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